por André Freire
As recentes medidas de austeridade da coligação PSD-CDS são profundamente iníquas (penalizam sobretudo o trabalho público e os pensionistas e não só isentam o capital de quaisquer sacrifícios como transferem para ele pelo menos parte do que retiram aos assalariados/pensionistas), afrontam a democracia (contrariam os programas eleitorais e de governo dos vencedores das legislativas de 2011, bem como o programa da Troika) e as instituições (contrariam o recente acórdão do TC sobre a matéria) e, por tudo isso, vieram tornar ainda mais premente e necessária a reflexão e a proposta de novas alternativas ao status quo como aquelas que o CDA, ou o «Manifesto para uma Esquerda Livre», pretendem fazer. Porém, para superarmos o status quo precisamos não só de «uma nova narrativa» (José Vítor Malheiros) mas também de atores partidários (e não apenas da pressão de movimentos da sociedade civil como o CDA ou o MEL) capazes de a corporizarem e de obterem apoio eleitoral maioritário para a mesma. Ora é precisamente sobre isto que pretendo escrever, telegraficamente, neste curto espaço para que me convidaram.
Ora o problema reside precisamente no bloqueamento e desequilíbrio do sistema político: a direita consegue entender-se para governar, de forma coesa e disciplinada, a esquerda não, nunca o conseguiu até hoje (durante o período constitucional), exceto nas bem- sucedidas coligações (PS-PCP-outros) em Lisboa. Sempre que não teve maioria absoluta (só 2005-2009), o PS governou coligado com a direita (PSD e/ou CDS-PP), formal ou informalmente (isto é, quando em minoria: com apoio parlamentar). Este facto bloqueia a produção de alternativas, ontem como hoje. Por isso, além de prejudicar a produção e corporização de alternativas, consubstancia um sistema pouco inovador (há fórmulas governativas nunca tentadas: «esquerda plural») e pouco inclusivo (os constituintes da esquerda radical, ainda que sempre representados no Parlamento, têm sido sempre excluídos da esfera governativa). Além disso, estes elementos implicam um enviesamento do sistema político para a direita (fruto das alianças preferenciais do PS com a direita), são responsáveis pelo elevado nível de desigualdades que temos (sempre no top 3-5 da UE, 1996-2009) e, adicionalmente, criam uma significativa incongruência entre os eleitores das esquerdas (favoráveis a entendimentos) e os seus representantes partidários (sempre indisponíveis, de facto, para entendimentos).
Poderia apontar vários fatores capazes de ultrapassar tal bloqueamento (uma extensa, coesa e eficaz política de alianças entre as esquerdas ao nível local, uma superação do sindicalismo dividido que, assim, fosse capaz de estimular alianças de esquerdas em vez de cristalizar divisões, etc.) mas concentro-me nos fatores eminentemente políticos. Ideologicamente falando, o PS precisava de se aproximar um pouco mais da esquerda radical ultrapassando o seu tradicional centrismo ideológico e recusando as alianças preferenciais com a direita, a bem da clareza das alternativas (esteio da qualidade da democracia) e do combate às desigualdades socioeconómicas. A esquerda radical (PCP e BE) teria, por seu lado, de abandonar a sua política de nicho, alicerçada no “quanto pior melhor”, em prol de algum reformismo, e, assim, estar disponível para alianças (mas sem quaisquer vertigens hegemónicas) e para cedências/compromissos (nomeadamente tendo em conta o peso eleitoral de cada força, sob pena de se subverter o principio democrático basilar: um homem, um voto). Precisamos desesperadamente de «uma nova narrativa», é verdade, e a sociedade civil (CDA, MEL, etc.) pode e deve dar uma preciosa ajuda nesse domínio. Mas isso não basta: numa democracia liberal e representativa, as alternativas têm que ser articuladas, agregadas e corporizadas pelos partidos políticos.