Declaração do CDA
RESGATAR PORTUGAL PARA UM FUTURO DECENTE
1. Resgatar Portugal
Está demonstrado que políticas de austeridade assentes na punição dos rendimentos do
trabalho, no desmantelamento dos serviços públicos e na redução do investimento e do
consumo não são uma solução, são antes um problema grave. Recessão profunda, falências de
pequenas e médias empresas, desemprego massivo, incapacidade de superar o descontrolo das
finanças públicas, aumento da precariedade laboral, desigualdades e injustiças sociais
crescentes, economia sem procura, desmembramento da sociedade, emigração e falta de
confiança no futuro — eis alguns dos resultados mais nocivos de uma governação que oprime. É
hoje claro em que consiste a devastação de recursos, a desqualificação das pessoas e a falta de
um compromisso que gere confiança. Portugal e os portugueses foram empobrecidos, estão
desapossados do seu futuro, e o mais perturbador é haver quem ache que é esse o melhor
destino a dar ao país. Por isso o querem impor como modelo.
Estas políticas têm uma matriz conhecida. Ela está no infeliz e humilhante Memorando de
Entendimento assinado com a troika (Comissão Europeia [CE], Banco Central Europeu [BCE],
Fundo Monetário Internacional [FMI]) e na sua aplicação submissa e excessiva por parte de um
governo capturado ideologicamente e que, por isso, não revelou a menor intenção ou
capacidade (porque não as tem) para construir um posição negocial vigorosa que impedisse o
caos e ousasse seguir por outros caminhos, em nome do povo.
Perante os resultados destruidores que levaram Portugal a uma situação dramática, perante a
rude marca ideológica dos que governam, é preciso afirmar com clareza que há outras políticas,
mais justas e mais criadoras. Há alternativas. Essas alternativas hão de basear-se num
compromisso comum das forças políticas e sociais que dão valor ao desenvolvimento e à
inclusão social, afirmam a dignidade do trabalho, estimam o papel da esfera pública e
defendem uma democracia robusta. Cabe às forças políticas e sociais que queiram reverter
esta situação, sem futuro nem solução, dizer que não é por falta de alternativas que não se põe
termo a esta situação iníqua e contraproducente.
Para isso, a tarefa principal é estabelecer os denominadores comuns da ação coletiva
necessária para aprofundar um combate frontal às políticas da troika e do governo e dizer quais
são os outros caminhos. É essa a finalidade desta Declaração. O combate é necessário porque
Portugal está numa situação em que se vê impedido de valorizar os seus recursos, a começar
pelo trabalho, em que a sua dependência produtiva se aprofunda, em que as pessoas ficam
desprotegidas pelo desmantelamento do Estado e em que a democracia regride. É contra isto
que estamos. E sabemos também a favor do que nos pronunciamos.
Quais são os objetivos fundamentais de uma alternativa? Apresentamos cinco:
a) Retirar a economia e a sociedade do sufoco da austeridade e da dívida: denunciar o
Memorando;
b) Desenvolver a economia para reduzir a dependência externa, valorizando o trabalho e
salvaguardando o ambiente;
c) Defender o Estado Social e reduzir as desigualdades;
d) Construir uma democracia plena, participada e transparente;
e) Dar voz a Portugal na Europa e no mundo.
2. Retirar a economia e a sociedade do sufoco da austeridade e da dívida: denunciar o
memorando
2.1 Denunciar o Memorando é declarar que a estratégia de austeridade e de desvalorização interna
nele inscrita se revelou má, iníqua e contraproducente. E propor veementemente a
necessidade de o renegociar. É confrontar a troika com a determinação firme de Portugal em
impedir o colapso económico, social e político. Tal determinação implica o reconhecimento de
que os pressupostos em que o Memorando foi negociado são, não só iníquos, como errados.
2.2 A abertura de negociações com as instâncias internacionais sobre o Memorando é a principal e
mais urgente tarefa de um governo democrático. Esse governo deve colocar a reestruturação
da dívida pública e da dívida bancária (resolução bancária) no topo da agenda negocial. Essa
reestruturação da dívida (inevitável mais tarde, se o atual quadro se arrastar no tempo) será
tanto menos desfavorável para Portugal quanto mais cedo ocorrer.
2.3 Portugal deve procurar condições para uma reestruturação da dívida que, sendo
suficientemente profunda, preserve ao mesmo tempo o acesso ao financiamento externo da
economia. Isto seria possível num quadro europeu mais favorável do que o atual. Num quadro
europeu desfavorável, como o que hoje existe, Portugal deve preparar-se para uma resposta da
troika que passa pela suspensão do financiamento acordado até 2013.
2.4 A suspensão do financiamento traria consigo desafios muito exigentes, mas não teria
necessariamente como consequência a impossibilidade de pagar pensões e salários por parte do
Estado. Uma atitude negocial determinada exigiria nessas circunstâncias que a resposta ao
corte do financiamento fosse a declaração de uma moratória ao serviço da dívida. Esta medida
libertaria os recursos financeiros necessários para cumprir as obrigações de despesa do Estado,
não só as pensões e os salários, mas também pagamentos a fornecedores.
2.5 A saída do euro é a ameaça sempre exibida logo que a denúncia do Memorando é sugerida. O
objetivo é assustar, paralisar, bloquear a necessária discussão acerca do conjunto de
alternativas em presença. Na realidade, uma saída unilateral do euro teria certamente
consequências pesadas, mas ninguém sabe, ou pode, calcular com rigor os custos e benefícios
de uma tal opção face a outras alternativas.
2.6 A denúncia do Memorando, tendo em vista a sua total reconfiguração, representa uma escolha
difícil entre o declínio certo e o resgate de Portugal com consequências provavelmente duras
no curto prazo. Ninguém no contexto em que vivemos pode legitimamente prometer soluções
fáceis. Não há que ficar paralisado pelo medo. Mas não há também que eludir os perigos e a
dificuldade da escolha.
2.7 Quem deve decidir é naturalmente o povo soberano, em sufrágio democrático. Mas a condição
para que a decisão seja avisada é a expressão e o debate público de todas as alternativas em
presença. O Congresso Democrático das Alternativas quer contribuir para esse debate, dando
espaço à expressão e discussão dos vários pontos de vista e a uma escolha criteriosa e assumida.
Constata a existência de diversidade de opiniões quanto às perspetivas de evolução do quadro
europeu, o significado e implicações da denúncia do Memorando, a necessidade de recuperação
da soberania monetária (saída do euro). Constata, também, a possibilidade de convergência
nos seguintes pontos:
Rejeição da estratégia de austeridade e desvalorização interna inscrita no Memorando;
Denúncia do Memorando e abertura de um processo negocial com a CE, o BCE e o FMI a partir
de uma posição determinada, ancorada no reconhecimento de que os pressupostos do
Memorando estão errados e na reivindicação do direito ao desenvolvimento;
Reestruturação da dívida colocada no topo da agenda das negociações;
Preparação para os cenários adversos que podem resultar de uma atitude negativa da troika,
traduzida numa suspensão do financiamento internacional (incluindo a necessidade de declarar
uma moratória ao serviço da dívida);
Intervenção ativa no quadro da União Europeia (UE) tendente a consolidar alianças com outros
países periféricos em situação semelhante à portuguesa e reforçar as posições favoráveis à
criação de mecanismos que travem a especulação financeira e favoreçam o investimento e a
criação de emprego como resposta à recessão.
3. Desenvolver a economia para reduzir a dependência externa, valorizando o trabalho e
salvaguardando o ambiente
3.1 É errada a convicção de que o fraco desempenho da economia portuguesa se deve a salários
pouco competitivos, a um “mercado de trabalho” demasiado regulado, a uma carga fiscal
excessiva e ao predomínio de sectores que produzem essencialmente para o mercado interno.
Mais do que uma necessidade ditada pela escassez de financiamento, a austeridade é encarada,
erradamente, como o caminho apropriado para proceder a ajustamentos básicos: a contração
do consumo interno e do investimento obrigaria os empresários a procurar negócios no exterior;
o desemprego elevado e a desregulação das relações laborais facilitariam a quebra dos salários
e a atração de investimento estrangeiro; a redução das despesas do Estado com os serviços
coletivos permitiria reduzir a carga fiscal, incentivando a iniciativa privada.
3.2 A estratégia inscrita no Memorando não resolve nenhum dos problemas estruturais
consensualmente reconhecidos como responsáveis pelo fraco desempenho da economia
portuguesa registado na última década: a baixa qualificação da população ativa; o perfil de
especialização da economia portuguesa assente em sectores de baixo valor acrescentado e
reduzidas perspetivas de crescimento; os problemas de conectividade face aos principais
mercados internacionais.
3.3 A estratégia da austeridade agrava a resolução dos problemas estruturais com que a economia
do país se defronta: reduz os esforços de qualificação de jovens e de adultos; leva ao
adiamento de investimentos em inovação empresarial e em soluções logísticas que melhorem a
inserção internacional de Portugal; degrada a qualidade e eficácia dos serviços públicos,
comprometendo, não só o bem-estar da população, como o funcionamento da economia e da
sociedade (fiscalização das atividades económicas, justiça, segurança); leva ao limite as
privatizações e retira ao Estado a possibilidade de influenciar as decisões estratégicas das
empresas com maior poder de arrastamento do tecido produtivo nacional.
3.4 O Memorando de Entendimento e o programa do governo subvalorizam de modo gritante as
oportunidades que existem para promover um desenvolvimento sustentável que dignifique o
trabalho, minimizando simultaneamente os custos do ajustamento financeiro.
3.5 A não utilização dos recursos financeiros disponíveis para o combate à crise através do
investimento público é particularmente elucidativa da natureza e objetivos da estratégia de
austeridade. Uma abordagem inteligente ao investimento público constituiria, no momento
presente, uma opção apropriada para responder a vários dos desafios que a economia enfrenta.
Bem direcionado, o investimento público criaria emprego, geraria receitas fiscais e contribuiria
para a melhoria da balança comercial, reduzindo assim o endividamento público e privado.
3.6 Precisamos de políticas que conjuguem virtuosamente o desenvolvimento, a igualdade, a
coesão e a sustentabilidade. Precisamos nomeadamente de:
3.6.1 Reforçar os mecanismos de transparência, acompanhamento e prestação de contas das
políticas públicas, para minimizar os riscos de captura do Estado por interesses particulares:
procedendo ao levantamento e identificação de todas as formas de subsidiação cruzada e
indireta do Estado; reforçando os poderes e competências de monitorização e avaliação de
políticas públicas dos organismos da Administração Pública pelo Tribunal de Contas e pela
Assembleia da República, pelas Assembleias Regionais e Municipais.
3.6.2 Encetar uma nova geração de políticas que valorize os recursos endógenos e a coesão
social e territorial (contrariando o despovoamento do interior), associada a um investimento
público para combater o desemprego e lançar as bases do desenvolvimento futuro, sempre
numa ótica de melhoria da qualidade de vida e da qualidade ambiental; isso implica,
designadamente, que se invista nas seguintes áreas:
a) Nos recursos naturais e nas indústrias transformadoras (apostando na gestão e ampliação das
áreas florestais e agrícolas, na valorização dos recursos do mar, na retoma da produção
nacional na área industrial e alimentar e no desenvolvimento da indústria agropecuária,
estimulando redes de pequenos agricultores e desenvolvendo circuitos comerciais de
proximidade);
b) Na eficiência energética e na articulação do desenvolvimento das energias renováveis com
políticas de valorização da qualidade da vida urbana, ambiental e de gestão de resíduos;
c) No património construído e em programas amplos, integrados e participados de regeneração
urbana;
d) Nas pessoas, incluindo através da criação de uma rede pública de lares de idosos, jardins de
infância e espaços comunitários intergeracionais, numa dupla vertente de coesão social e de
exportação de serviços de saúde.
3.6.3 Reforçar a valorização económica e social do conhecimento científico, artístico e
tecnológico, para o que é indispensável:
a) Afirmar o papel emancipatório do conhecimento e a sua natureza democrática, aproximando
a ciência e as instituições científicas da comunidade (a começar pelos mais jovens), criando as
condições para estimular a criatividade e formando os recursos humanos para a criação
artística;
b) Garantir o investimento público nestas áreas, retomando e fortalecendo o investimento em
investigação científica nas universidades, nos centros públicos de investigação e nos
laboratórios do Estado (que precisam também de ser re-equipados);
c) Reconhecer a especificidade do trabalho científico e artístico, promover a sua integração em
carreiras e consagrar legalmente o estatuto da intermitência do espetáculo;
d) Incentivar a contratação de investigadores e criativos pelas pequenas e médias empresas
(PME), apoiando o desenvolvimento e exportação de novas tecnologias nas áreas das energias
renováveis e da economia verde.
3.6.4 Reverter o processo de desregulação do “mercado de trabalho” e de desvalorização
salarial pela seguinte via: reposição dos cortes grosseiros dos rendimentos do trabalho e
assunção de um compromisso de salvaguarda salarial; revalorização da contratação coletiva e
da confiabilidade dos contratos laborais (como dois pilares essenciais do contrato social), bem
como da concertação social e da representação dos trabalhadores e suas organizações,
garantindo a atualização anual do salário mínimo para valores dignos, como medida básica de
justiça social, de modo a que o Estado cumpra o dever constitucional previsto no art.º 59.º/2-a
da Constituição.
3.6.5 Valorizar as relações de trabalho e a negociação coletiva, através, designadamente, do
seguinte:
a) Respeito pelo princípio constitucional da autonomia coletiva, em particular pelo que tiver
sido válida e livremente negociado por sindicatos e por empregadores ou associações de
empregadores;
b) Combate à precariedade fraudulenta, que assume diferentes formas: recurso abusivo a
sucessivas renovações de contratos ou denúncia de contratos para evitar a sua conversão em
contratos sem prazo, recurso a formas atípicas de “contratação” laboral como o falso trabalho
independente (recibos verdes) — cujo regime deve ser equiparando ao dos trabalhadores por
conta de outrem —, recurso a empresas de trabalho temporário (que devem ser eliminadas) ou
ainda a contratos de fornecimento de serviços como forma de ocultar autênticos, mas ilícitos,
contratos de fornecimento de trabalhadores;
c) Reforço da fiscalização do trabalho e dos meios de ação dos tribunais;
d) Definição clara das funções permanentes a que têm de corresponder contratos de trabalho
permanentes;
e) reversão da tendência para a desadministrativização do direito do trabalho, de que o mais
recente exemplo é a Lei n.º 23/2012;
f) Combate às práticas discriminatórias, não apenas entre trabalhadores e trabalhadoras, como
também àquelas de que são vítimas as pessoas com deficiência ou os estrangeiros;
g) Eliminação das contrapartidas laborais associadas à atribuição de prestações sociais
(contributivas e não contributivas);
h) Melhoria da atenção prestada à prevenção da saúde e da segurança no trabalho, em especial
aos riscos de agressão à saúde mental dos trabalhadores e ao bem-estar no trabalho, bem como
à justa reparação de todos os danos das vítimas de acidente de trabalho e de doenças
profissionais;
i) Reversão da tendência para a crescente desconsideração do trabalho, como quando o
trabalhador é colocado na humilhante situação de ter de dar o seu “livre” acordo a cláusulas
contratuais leoninas contrárias aos seus interesses;
j) Acabar com o trabalho não remunerado e com o abuso do recurso de estagiários altamente
qualificados para substituir assalariados.
3.6.6 Reformar a fiscalidade eliminando os benefícios fiscais que não visem a promoção de um
desenvolvimento sustentável e inclusivo que dignifique o trabalho (em particular os incentivos
fiscais aos produtos financeiros que não sejam instrumentos públicos de poupança); tributando
as transações financeiras e o jogo online; criando um imposto geral sobre o património que
incida sobre as grandes fortunas; assegurando a justa tributação dos dividendos distribuídos e
das remunerações e prémios de gestão, criando um sobretaxa sobre remunerações
despropositadas e que representem um agravamento da diferenciação remuneratória em
relação aos salários base da mesma empresa (taxando o diferencial e os prémios de gestão);
aumentando a taxa marginal de imposto em sede de imposto sobre os rendimentos das pessoas
singulares (IRS) para os rendimentos mais elevados; estabelecendo o princípio do englobamento
dos rendimentos dos capitais e das mais-valias financeiras em sede de IRS; combatendo
fortemente a economia paralela, a evasão e fraude fiscais, em particular as organizadas, que
atuam através do sistema financeiro; defendendo uma política europeia de harmonização fiscal
que possibilite a arrecadação de receitas fiscais essenciais à manutenção do modelo social
europeu e a extinção de todos os paraísos fiscais;
3.6.7 Garantir o controlo público de sectores estratégicos da economia, nomeadamente a
banca, impedindo a privatização da Caixa Geral de Depósitos (CGD), garantindo uma política de
crédito orientada para o crescimento e combatendo as práticas abusivas da banca (marketing
intrusivo e outras); suspender o programa de privatizações e de concessões da exploração de
recursos naturais, e reverter as cláusulas contratuais leoninas inscritas nos atuais contratos de
concessão, nomeadamente nas parcerias público-privadas (PPP).
3.6.8 Estabelecer medidas de controlo sobre a grande distribuição para contrariar o seu poder
de mercado excessivo sobre produtores e consumidores e apoiar os mercados de proximidade;
3.6.9 Apostar na rede de transportes públicos, com sistemas tarifários que permitam a sua
máxima utilização, que contribuam para a integração e a coesão territoriais e sociais, para a
mobilidade urbana, para a poupança energética e para a redução de emissões.
3.6.10 Reconhecer o contributo da economia social e solidária para o interesse geral e o bem
comum; reforçar a proteção e o apoio ao sector cooperativo e social (economia social), criando
as condições jurídicas, económicas e financeiras que permitam o seu desenvolvimento, com
respeito pelos seus valores e pelas suas características específicas.
4. Defender o Estado Social e reduzir as desigualdades
4.1 Os impactos do Memorando no financiamento e organização dos serviços públicos superam
propósitos de racionalização de gastos ou eliminação de encargos supérfluos. Trata-se do
desmantelamento intencional do Estado Social, o que aprofunda as desigualdades e a exclusão
e fere a qualidade dos serviços, com transferência de recursos públicos para a oferta privada,
privilegiando-a.
4.2 Esta agenda vai da pulverização quase absoluta de certos domínios (a cultura é um eloquente
exemplo) à minimalização de vários sistemas públicos, com graves impactos na vida e na
cidadania (direitos de terceira geração, como os direitos sexuais ou de igualdade de género).
Em causa está a passagem de um Semi-Estado-Providência para um Estado de contornos
assistencialistas.
4.3 As propostas de ação política para uma sociedade mais justa e inclusiva desenvolvem-se em
cinco linhas fundamentais de preservação, recomposição e reforço do Estado Social:
reconstituição dos serviços públicos e do Estado Social; reafirmação dos princípios matriciais do
Estado Social, nomeadamente a sua universalidade; definição clara do quadro de relações entre
o Estado e as respostas privadas; afirmação da cultura como dimensão necessariamente
integrante do quadro de direitos sociais; combate a todas as formas de desigualdade, racismo e
discriminação.
4.4 Uma política desta natureza tem como pontos de convergência essenciais os seguintes:
Na saúde: assumir o Serviço Nacional de Saúde (SNS) como prioridade coletiva, com um
orçamento adequado às necessidades de funcionamento e de investimento, baseado em
princípios de igualdade no acesso, de prevenção de doenças e de promoção da saúde; em que
as taxas moderadoras não funcionem como forma de financiamento e o preço dos
medicamentos como barreira de acesso a inovações terapêuticas de efetividade comprovada;
em que seja reforçado o papel dos cuidados de saúde primários e dos cuidados continuados e
paliativos, sem desinvestir nos cuidados hospitalares; em que seja aprofundado o
funcionamento articulado, em rede e desburocratizado, dos vários níveis de prestação de
cuidados; com a valorização da participação das populações nos processos de decisão aos
diferentes níveis, com a reposição das carreiras profissionais do SNS e com a clarificação do
papel dos diversos intervenientes no sistema de saúde.
Na educação: exigência do princípio da inclusão e da qualidade de todo o ensino (público e
privado), da educação pré-escolar ao ensino superior; valorização da escola pública e da
melhoria das qualificações dos portugueses para o desenvolvimento equilibrado do país;
combate ao insucesso e abandono escolares; desenvolvimento da educação em várias vertentes,
como a educação para a saúde, a educação sexual, a educação artística, a educação física, a
educação humanística e tecnológica e a educação para a cidadania global; desenvolvimento de
pedagogias diferenciadas e de equipas multidisciplinares; prevenção de situações de
indisciplina e violência no espaço escolar; dignificação da profissão docente; garantia do
primado do interesse público e da gestão democrática das instituições; avaliação séria,
construtiva e partilhada do trabalho das escolas; políticas de educação e formação de adultos
numa perspetiva de educação ao longo da vida.
Na segurança social: a reconstituição do quadro de direitos e prestações sociais (rendimento
social de inserção e subsídio de desemprego, entre outras); a revisão da legislação laboral de
modo a recompor um dispositivo legal que encare o direito do trabalho como fator essencial de
crescimento económico e de dignificação da cidadania; redes territoriais de serviços que
garantam o acesso de todos os necessitados ao seu benefício; o investimento, numa lógica de
cobertura territorial, de respostas sociais públicas em domínios que registam elevados níveis de
insuficiência (como é o caso das respostas a populações idosas e imigrantes), favorecendo o
emprego e a retoma do crescimento económico; o estabelecimento de critérios claros de
separação entre o sistema público de proteção social e as respostas supletivas privadas; o
reforço do financiamento do sistema de pensões, subsídios de desempregos e outras prestações
sociais, considerando, nomeadamente, a possibilidade de recorrer subsidiariamente à taxação
do valor acrescentado das empresas.
Na habitação e urbanismo: criação de mecanismos legais, nomeadamente no quadro de uma Lei
de Bases, que vinculem o Estado ao cumprimento do direito à habitação consagrado na
Constituição; consolidação de um segmento relevante de oferta de alojamento social; política
fiscal que penalize a especulação fundiária e imobiliária e as situações de fogos expectantes e
devolutos; criação de um sólido e acessível mercado de arrendamento de fogos para habitação
e para habitação social; simplificação da legislação urbanística, de modo a permitir um maior
controlo sobre a captação de mais-valias e sobre as práticas de corrupção e favorecimento;
transformação do parque habitacional público existente num recurso social, que não deve, por
isso, ser alienado.
Na cultura: reconhecimento dos serviços públicos de cultura como elemento estratégico para
uma democracia plena, a par da saúde e da educação; exigência de uma política cultural
sustentada nos pilares de acesso, criação e fruição cultural (museus, bibliotecas, teatros,
agentes culturais, serviço público de rádio e televisão); exigência de um plano de emergência
para a cultura que responda à paralisia, falência e extinção da oferta cultural, sobretudo a
nível local; defesa de um serviço público de rádio e televisão com um mínimo de dois canais
generalistas e em sinal aberto; reconhecimento da fruição artística como um direito social;
investimento digno por parte do Estado no apoio à criação artística e literária contemporânea;
estímulo à aproximação dos jovens em idade escolar à criação contemporânea; criação de reais
estímulos ao investimento privado nas atividades culturais, à luz das noções de
responsabilidade social das empresas; aproveitamento dos órgãos públicos de comunicação
social para a valorização e divulgação da criação artística e literária; participação ativa nas
negociações de fundos e programas internacionais destinados à cultura, tendo em conta a
particular fragilidade das estruturas portuguesas; aplicação à criação artística e literária
nacional dos incentivos à internacionalização mobilizados noutros sectores da economia;
inclusão da política de construção, reabilitação e gestão de equipamentos culturais, bem como
as estratégias de apoio à criação artística e literária, no conjunto das políticas de
desenvolvimento integrado do território, em particular no contexto do desenvolvimento das
cidades de média dimensão.
No combate às desigualdades socioeconómicas e identitárias (de género, sexuais, étnicas,
etárias): instituição da obrigatoriedade de as propostas orçamentais serem presentes à
Assembleia da República munidas de um estudo de impacto igualitário e com menção da
previsão da evolução dos indicadores de desigualdade social; promoção de políticas de combate
a todas as formas de discriminação; aprovação de legislação conducente ao combate à
violência doméstica e vigilância eficaz dos agressores e agressoras; reconhecimento do direito à
adoção e acesso às técnicas de procriação medicamente assistida para todas as mulheres e
reconhecimento da possibilidade de co-parentalidade para as famílias homossexuais;
representação equilibrada de homens e mulheres nos diversos tipos de tomada de decisão;
garantia aos idosos de um lugar na sociedade que os dignifique enquanto seres humanos;
combate à discriminação das pessoas com deficiência, garantindo-lhes a igualdade de
oportunidades e criando condições para a sua independência e realização pessoal
(nomeadamente pela disponibilização de ajustes técnicos); estabelecimento de um sistema
transitório de quotas para minorias no acesso ao “mercado de trabalho”; promoção transversal
de políticas que tenham em conta o envelhecimento demográfico e que promovam o
rejuvenescimento populacional; promoção da educação para a cidadania global e plural numa
lógica de democracia como Direitos Humanos, reconhecendo e institucionalizando direitos não
consagrados na Declaração dos Direitos Humanos, concordantes com a complexidade da
sociedade atual.
5. Construir uma democracia plena, participada e transparente
5.1 A democracia foi degradada pela captura do Estado pelos grandes interesses económicos e
financeiros e pela corrupção. Cresce a desconfiança dos cidadãos no sistema político e nos seus
agentes e aumenta a abstenção nas eleições. A austeridade, o empobrecimento e a
desigualdade aprofundam o divórcio de muitos cidadãos da democracia política e favorecem
tendências autoritárias e populistas para a saída da crise económica e social. O continuado
incumprimento dos compromissos eleitorais e dos próprios programas de governo, pelos
partidos que têm exercido rotativamente o poder, causa uma erosão profunda na relação dos
cidadãos com os partidos, agentes fundamentais da mediação entre a sociedade e o poder
político.
5.2 Requalificar a nossa democracia política, promover a transparência e a independência do poder
político relativamente aos poderes económicos, aumentar a participação e o controlo
democrático do sistema político pelos cidadãos são objetivos a promover pelo Congresso.
5.3 Não se trata de refundar mas sim de revitalizar o regime democrático instituído pela Revolução
de 25 de Abril de 1974 e que está consagrado na Constituição. A Constituição não é a causa dos
males que nos afetam. Pelo contrário, a sua violação sistemática é que empobrece a
democracia. A Constituição é a referência segura para encontrar respostas coletivas e
democráticas, o contrato político e social estável e duradouro em cujo quadro devem
encontrar-se essas respostas.
5.4 É nesta perspetiva que o Congresso adianta as seguintes propostas para garantir uma
democracia plena, participada e transparente:
a) Separação do público e do privado, devendo as obrigações do Estado ser realizadas
prioritariamente através dos recursos e meios do próprio Estado;
b) Estabelecimento de um regime reforçado de incompatibilidades de todos os titulares de
cargos eletivos e executivos, dos magistrados judiciais, de altos responsáveis da administração
pública e dos membros dos serviços de informações, e regulação eficaz de um período de nojo;
c) Estabelecimento do princípio da limitação de mandatos consecutivos para todos os cargos
políticos eletivos;
d) Reforço do papel deliberativo e fiscalizador, bem como da intervenção da Assembleia da
República quanto a tratados e compromissos europeus e internacionais;
e) Promoção de formas de democracia mais diretas e alargamento dos mecanismos de
participação dos cidadãos na deliberação política, designadamente através da facilitação do
exercício da iniciativa popular em relação a propostas de lei, referendos e petições, e garantia
de celeridade nas respostas;
f) Promoção de formas de descentralização e desconcentração dos serviços públicos que,
facilitando a proximidade e a participação, contribuam para uma maior integração e coesão
territoriais;
g) Efetiva transparência, qualificação e responsabilização da administração pública, através da
prestação de contas das suas atividades, da melhoria do acesso dos cidadãos à informação e aos
serviços, da valorização das carreiras, da dignificação e valorização do serviço público, da
substituição do critério da nomeação política pelo critério do mérito aferido em concurso
público; desenvolvimento de novos modos de recrutamento e gestão no sistema empresarial
público;
h) Reforma urgente do sistema judicial, salvaguardando o direito dos cidadãos no acesso à
justiça; reforço e concretização da efetiva independência do poder judicial, visando o aumento
da eficácia, celeridade e eficiência, a maior igualdade no acesso, a qualificação e
responsabilização dos agentes judiciais, acompanhada da dotação dos meios necessários;
i) Definição de uma estratégia nacional de combate à corrupção; criação de uma agência
pública especializada no estudo, prevenção e investigação da corrupção; medidas políticas e
legislativas para o combate e punição do enriquecimento ilícito;
j) Regulamentação e limitação do recurso a sociedades de advogados e outros consultores para
preparação de leis e contratos a celebrar pelo Estado;
k) Definição de uma política de segurança que previna a criminalidade através do policiamento
de proximidade, que desmilitarize, desburocratize e dignifique as forças policiais, assegurando-
lhes os recursos necessários e a proteção efetiva e publicamente controlada dos direitos dos
cidadãos;
l) Desgovernamentalização e garantia de isenção dos serviços de informações do Estado, com
fiscalização da sua atividade pela Assembleia da República através de um órgão com
representação de todos os partidos parlamentares;
m) Assunção prática de que a missão das forças policiais e serviços de informações não é o
combate a contestações de políticas governativas, mas antes a salvaguarda da segurança
pública e dos cidadãos, com a consequente exclusão de lógicas de busca e repressão de
putativos “inimigos internos” e de criminalização extralegal dos protestos sociais;
n) Reconhecimento do direito de candidatura de listas de cidadãos às eleições legislativas e
diminuição das exigências excessivas para a apresentação de listas de cidadãos eleitores aos
órgãos de poder autárquico; alteração da lei das atribuições e competência dos órgãos
autárquicos, dando mais poderes de fiscalização e de intervenção às Assembleias Municipais.
o) Reforço das garantias de representação dos interesses especialmente relevantes no processo
de definição das políticas públicas, com a valorização da centralidade e eficácia da negociação
coletiva para a regulação das relações de trabalho, articulada com um sistema de concertação
social tripartido, participado, transparente e responsável.
p) Alteração do estatuto dos deputados, para maior responsabilização, independência e
prestação de contas perante os cidadãos, clarificação do regime de incompatibilidades e
registo de interesses, e reforço dos mecanismos de controlo e fiscalização;
q) Garantia da independência, pluralismo e respeito pelas normas éticas e profissionais na
comunicação social, contra a precariedade e a concentração, horizontal e vertical, do poder
económico sobre os media; manutenção na esfera pública de um serviço público de rádio e de
televisão e de uma agência de notícias que se constitua numa referência de independência,
pluralismo, e de qualidade profissional, ética, técnica e tecnológica na paisagem mediática em
Portugal.
r) Reavaliação da reforma do mapa judiciário tendo em vista a salvaguarda de zonas periféricas
fragilizadas e uma adequada política de inclusão territorial;
s) Obrigatoriedade de publicitação de todos os contratos de concessão em vigor, tornando-os
acessíveis a todos os cidadãos na internet.
6. Dar voz a Portugal na Europa e no mundo
6.1 A crise em que Portugal está mergulhado, sendo nacional, é europeia. A crise é, afinal,
expressão da apropriação do projeto europeu e da governação nacional por poderes
particulares. Essa apropriação mudou a natureza da integração europeia, esvaziando a
dimensão de projeto de solidariedade entre povos. Por isso, as alternativas que buscamos têm
de ter também uma escala europeia e ter projeção inequívoca na política externa de Portugal.
6.2 O que tem prevalecido como cânone da política externa portuguesa tem sido uma composição
das interpretações mais conservadoras do atlantismo e do europeísmo acrítico, pontuando no
primeiro a nostalgia colonial e a integração submissa na Organização do Tratado do Atlântico
Norte (OTAN/NATO) e, no segundo, uma atitude de “bom aluno”. A adoção da submissão e
subalternidade como estratégia de inserção europeia e mundial de Portugal desbarata as potencialidades do país nas relações internacionais.
6.3 Portugal não tem de se identificar com qualquer política imperial e agressiva, não está
condenado a participar em guerras de agressão ainda que com justificações benignas, não tem
de desempenhar funções internacionais em tarefas de “pacificação” e que não passam de
ocupações e implantação pela força de regimes manipulados.
6.4 Para ter uma política externa universal, isto é, respeitada pela Comunidade dos Povos, Portugal
deve pautar as suas relações internacionais pela defesa do direito internacional (como, por
exemplo, no caso da Palestina e do Sahara Ocidental), nomeadamente recusando dar o seu aval
a políticas que perpetuem situações ilegítimas de ocupação militar de territórios não-
autónomos e à espoliação dos recursos naturais desses territórios por parte das potências
ocupantes.
6.5 A Europa é o lugar natural de Portugal e o país deve valorizar a sua inserção europeia. Mas, por
se integrar na UE, Portugal não tem de agir como súbdito de ninguém. A subserviência que o
atual governo tem demonstrado em relação às posições do governo alemão, esperando com isso
obter um reconhecimento que o diferencie de outros Estados meridionais, não dignifica
Portugal e é, sobretudo, contrária ao interesse nacional de encontrar uma solução europeia
abrangente para a superação da crise do euro.
6.6 A inserção internacional de Portugal deve incluir, obviamente, o investimento noutras
plataformas e referências para lá da União Europeia. Há mais Europa para lá da União Europeia
e há mais mundo para lá da Europa. Portugal deve explorar as suas potencialidades, procurando,
nomeadamente, desempenhar um papel de relevo na interface da Europa com a orla sul do
Mediterrâneo, com a América Latina, com o Médio Oriente, com o mundo árabe ou com a África
Sub-Sahariana. À Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), cujo reforço e projeção
internacional pode potenciar a capacidade de intervenção do país, deve ser atribuída um lugar
de primeira importância no relacionamento externo da democracia portuguesa.
6.7 Mas a Europa é o palco principal da gravíssima crise económica e financeira que afeta Portugal
e a maioria dos países da zona euro. A crise veio revelar uma nova faceta na integração
europeia: por um lado, a hegemonia dos grandes países no processo político da UE, com o
imparável ascendente da Alemanha; por outro lado, o fosso entre países superavitários e países
deficitários, que acentua a crescente erosão de confiança entre Estados-membros e de
solidariedade entre países.
6.8 As respostas às questões de fundo sobre o futuro do euro e da própria União Europeia passam
hoje, inevitavelmente, pela revisão do Tratado de Maastricht e do Tratado de Lisboa, assim
como pela rejeição do Tratado de Estabilidade, Coordenação e Governação, mais conhecido
como Pacto Orçamental, e que é, na realidade, um inaceitável pacto para a austeridade
perpétua. Quanto ao Tratado de Maastricht (1992), sobre a União Económica e Monetária, e ao
Tratado de Lisboa (2007), sobre a governação da União Europeia, ambos impedem que os
Estados da zona euro prestem ajuda financeira a um país membro em crise devido a uma
cláusula de “não salvamento” (no bailout) que impede a entreajuda entre países que têm,
como se sabe, estruturas económicas e sociais e níveis de desenvolvimento muito diferentes e
que um euro mal desenhado e a sua crise acentuaram de forma decisiva.
6.9 Os Estados em dificuldades estão impedidos de recorrer ao BCE para financiar os seus défices, o
que inevitavelmente os empurra para os braços dos mercados financeiros, que os submetem a
juros proibitivos.
6.10
No quadro da União Europeia, Portugal deve bater-se por propostas concretas que, no seu
conjunto, configurem uma alternativa a um contexto regional e mundial em que os capitais
prosperam à custa do bem-estar humano e da sustentabilidade ambiental. Deve bater-se em
particular pela democratização das instituições europeias. Enumeram-se em seguida algumas
das mais importantes dessas propostas concretas, indispensáveis para superar a desvantagem
estrutural que a atual configuração da integração europeia, em geral, e o euro, em particular,
comportam para uma economia como a portuguesa:
a) Criar um imposto sobre as transações financeiras, para desincentivar a especulação e
promover a atividade produtiva;
b) Proibir os bancos e as empresas europeias de terem atividades e filiais em paraísos fiscais e
elaborar uma lista completa destes segundo critérios estritos, como etapa prévia à sua extinção
completa;
c) Reestruturar as dívidas públicas insustentáveis e evitar que os Estados tomem a seu cargo,
direta ou indiretamente, dívidas dos bancos;
d) Reformar o estatuto do BCE, obrigando-o a prestar contas perante o Parlamento Europeu e
impondo-lhe como preocupação prioritária o pleno emprego, a igualdade e o bem-estar humano,
assim como a sua intervenção nos mercados de dívidas públicas dos Estados-membros;
e) Reforçar o peso do orçamento europeu, hoje residual, por forma a dotar a União de
instrumentos de política económica e social capazes de ajudar a superar o atual processo de
polarização;
f) Criar instrumentos de dívida pública com escala europeia, euro-obrigações e obrigações para
projetos de desenvolvimento, por forma a garantir um maior equilíbrio na relação entre os
Estados europeus e os mercados financeiros, garantindo também assim um financiamento mais
fácil e barato de uma parte da dívida;
g) Reforçar o papel do Banco Europeu de Investimentos no desenvolvimento, orientando a sua
atividade no sentido de transformar progressivamente o modelo produtivo europeu e de
promover o investimento nas áreas periféricas mais deprimidas;
h) Permitir a flexibilização das regras do mercado interno europeu, por forma a viabilizar a
capacidade de decisão na prossecução de políticas produtivas sempre que tais políticas visem
favorecer o apetrechamento competitivo de sectores estratégicos nacionais específicos, ,
contribuindo também assim para corrigir os desequilíbrios externos;
i) Favorecer uma progressiva harmonização nos campos social e fiscal, que impeça o
alinhamento competitivo pelo menor denominador comum;
j) Propor a constituição de comissões de inquérito no âmbito do Parlamento Europeu à atuação
da Comissão na elaboração dos programas da troika, violadores dos tratados (por exemplo, o
Tratado de Lisboa em matéria de emprego, coesão económica e social e proteção ao trabalho)
e causadores da destruição da economia de vários países.
7. Resgatar Portugal: compromissos de uma alternativa
7.1 Os objetivos e o conjunto de propostas do Congresso constituem um contributo para a definição
de compromissos de uma alternativa orientada para retirar Portugal do sufoco da austeridade e
da dívida e abrir caminho a um desenvolvimento sustentável que faça do combate às
desigualdades, da inclusão pelo trabalho e do reforço da democracia o mais sólido e eficaz dos
programas.
7.2 Portugal não se pode remeter mais tempo ao silêncio e à passividade obediente na União
Europeia. O Congresso atribui urgência à formação de alinhamentos privilegiados com os
restantes Estados membros da UE sujeitos à austeridade punitiva e com todos aqueles que
defendem uma inflexão das políticas europeias no sentido da prioridade ao investimento e à
criação de emprego. O Congresso defende a necessidade de uma reconfiguração dos tratados,
do estatuto do BCE, assim como a anulação do chamado Pacto Orçamental. A Europa de que
Portugal e os europeus precisam é uma Europa sem periferias dependentes, sujeitas à
austeridade permanente, onde haja lugar para todos. Esse é o compromisso Europeu do
Congresso.
7.3 Independentemente da evolução das políticas europeias, Portugal precisa de se libertar das
teias de um Memorando lesivo, iníquo e contraproducente, cuja aplicação aprofunda o
endividamento e a dependência. Portugal precisa de denunciar o Memorando e negociar com a
CE, o BCE e o FMI. Nessa negociação, a questão da reestruturação da dívida assume prioridade
absoluta. A denúncia do Memorando e a renegociação da dívida constituem um compromisso
crucial do Congresso.
7.4 O compromisso com o trabalho, assumido pelo Congresso, traduz-se na perceção de que a
mobilização das energias criativas de que Portugal precisa depende da valorização e
dignificação do trabalho, em todos os planos, da proteção no desemprego e combate ao
desemprego e à precariedade, até à defesa dos direitos constitucionalmente consagrados e
adquiridos por negociação coletiva, passando pelo salário e os tempos de trabalho e lazer. As
prioridades absolutas neste domínio são o combate ao desemprego, a proteção no desemprego
e a defesa do direito do trabalho, com reversão das iníquas alterações legislativas
recentemente adotadas. O compromisso com o trabalho exige, em particular, um compromisso
de salvaguarda salarial que inclua a reposição dos cortes salariais e a atualização do salário
mínimo.
7.5 Assumindo o compromisso com a igualdade como eixo de uma alternativa, o Congresso sublinha
a importância da defesa e consolidação do Estado Social, nomeadamente do SNS e da Escola
Pública. As instituições do Estado Social, assentes nos princípios constitucionalmente
consagrados da universalidade, gratuitidade, solidariedade e redistribuição, têm sido os mais eficazes obstáculos à amplificação das grandes desigualdades existentes em Portugal. A defesa
do Estado Social requer uma clara definição do quadro de relações entre as respostas públicas e
sector privado baseada nos princípios da separação e da supletividade da oferta privada.
Requer também a reposição dos níveis de financiamento e a reversão das orientações que têm
conduzido à degradação dos serviços públicos e das suas redes territoriais. Por outro lado, o
alargamento dos desníveis remuneratórios e de riqueza exigem medidas fiscais redistributivas
urgentes, nomeadamente um imposto sobre grandes fortunas e uma sobretaxa sobre
remunerações e prémios de gestão milionários. A redistribuição do rendimento pode contribuir
significativamente para estimular a procura dirigida às empresas, permitindo-lhes enfrentar as
dificuldades que estão a levar muitas delas à falência.
7.6 A austeridade recessiva compromete o futuro de Portugal. Delapida recursos necessários para o
desenvolvimento sustentável. Liberto do sufoco do serviço da dívida, Portugal pode mobilizar
os recursos de que dispõe para o desenvolvimento e a criação de emprego. A prioridade
absoluta é o investimento produtivo e a valorização dos recursos nacionais, contra a
delapidação decorrente das privatizações e das concessões desordenadas de exploração de
recursos naturais. O compromisso com o desenvolvimento sustentável que o Congresso adianta
envolve como medidas prioritárias: um controlo da atividade bancária que garanta o
financiamento da economia, a suspensão do processo de privatizações, com destaque para a
ameaça que impende sobre a distribuição de águas e a CGD, e o lançamento de um programa
de investimento público de nova geração que, tirando partido dos fundos comunitários
disponíveis, tenha por objetivos combater o desemprego e lançar as bases do desenvolvimento
futuro (investindo nomeadamente na reabilitação urbana, na eficiência energética de edifícios,
na valorização energética de resíduos, na gestão florestal ativa e na reflorestação). Um
desenvolvimento que terá de ser centrado na agricultura, nas pescas e noutros recursos
marinhos, visando uma redução drástica das importações de bens alimentares.
7.7 O Resgate de Portugal que defendemos no Congresso envolve um compromisso renovado com a
democracia. A credibilização das instituições e agentes políticos, a recuperação de uma relação
positiva e saudável entre os cidadãos e a democracia política e a valorização do serviço público
e da sua ética são inseparáveis de medidas e escolhas políticas claras tendo por finalidade, não
a refundação do sistema político, mas a sua regeneração, tendo como referencial a
Constituição da República. São, para isso, orientações fundamentais: uma separação clara
entre as funções públicas do Estado e os interesses privados em todos os domínios, uma
estratégia clara de combate à corrupção, uma reforma da justiça que promova a sua eficácia,
qualificação, celeridade e maior igualdade no acesso, o mais amplo e aberto acesso dos
cidadãos à participação política, incluindo nos processos eleitorais, uma mais rigorosa e ampla
definição do regime de incompatibilidades no exercício de cargos públicos.
8. O Congresso continua
8.1 Propusemo-nos “trabalhar para uma plataforma de entendimento o mais clara e ampla possível
em torno de objetivos, prioridades e formas de intervenção”. A convocatória do Congresso,
assim como os debates preparatórios, confirmaram a vontade de diálogo entre pessoas com
pontos de vista, filiações partidárias e posições político-ideológicas distintas e revelaram a sua consciência da necessidade de convergência. Esta Declaração, sendo resultado desse debate,
faz prova da possibilidade de identificar denominadores comuns políticos claros e ao mesmo
tempo abrangentes.
8.2 Mesmo cumprindo os objetivos a que se propunha, o Congresso Democrático das Alternativas
não pode encerrar os seus trabalhos no dia 5 de outubro de 2012. O enorme “basta!” ouvido em
todo o país a 15 de setembro e em Lisboa a 29 de setembro, conferiu renovada urgência à
questão da “alternativa à política de desastre nacional consagrada no Memorando da troika e à
necessidade de convergência na ação política para o verdadeiro resgate de Portugal” referidas
na convocatória do Congresso. O Congresso comprova que existe vontade e necessidade de
prosseguir a mobilização e a iniciativa cidadã para o debate e aprofundamento dos
denominadores comuns e das alternativas políticas ao empobrecimento e à austeridade, como
um processo aberto, complementar e convergente com o papel dos partidos políticos,
movimentos e organizações sociais.
8.3 A realidade mostrou como o Memorando é um mau contrato e tornou claro que os “sacrifícios”
não só são iníquos, como inúteis. O “basta!” foi bem audível. Tão audível que a solução política
que serve os que beneficiam de poderosas transferências de riqueza e destrói as capacidades
do país perdeu legitimidade, carecendo de óbvia sustentação. A democracia abre lugar a que
uma alternativa política substitua o atual poder, assumindo resolutamente os desafios da
denúncia do Memorando, da afirmação da democracia, do desenvolvimento e da justiça social.
8.4 O Congresso Democrático das Alternativas associa-se ao protesto popular na exigência de um
governo que governe para o país, para o povo e para soluções dignas. Opõe-se a falsas soluções
governativas de “salvação nacional, reclama que os portugueses e as portuguesas sejam ouvidos
em sufrágio antecipado e defende que desse sufrágio pode resultar a alternativa política
confiável de que Portugal precisa neste momento.
8.5 A alternativa política de que precisamos tem de resultar da convergência das forças e
movimentos políticos e sociais que se têm oposto ao empobrecimento e ao declínio inscritos no
Memorando e do clamor popular que reclama “basta!”. Para ser ganhadora a convergência tem
de ser ampla, e para ser confiável tem de assentar em compromissos claros, assumidos por
todos. O Congresso faz prova da possibilidade de uma convergência ampla baseada em
objetivos e princípios claros.
8.6 Não encerrando hoje os seus trabalhos, o Congresso decide manter-se ativo, enquanto as
circunstâncias o justificarem e exigirem, como iniciativa cívica e espaço de mobilização cidadã,
plural e inclusiva. Aberto a todos os que se reveem na necessidade de prosseguir o diálogo e as
convergências necessárias à construção das alternativas políticas que assegurem a democracia
e o desenvolvimento do país, têm como referencial a Constituição e recusam o desastroso
caminho apontado pela atual governação e pelo Memorando assinado e sucessivamente revisto
com a troika. É esta a forma de continuar a dar voz coletiva às ideias aqui assumidas e de as
usar ativamente para enriquecer um debate público que tem sido distorcido, para desenvolver
compromissos, aprofundar soluções e viabilizar o objetivo de alcançar uma governação em
nome do povo. O Congresso assume, assim, como tarefas prioritárias:
8.6.1 A defesa de um compromisso comum de convergência, que ajude a viabilizar uma
governação alternativa em torno de princípios abrangentes e claros como os sugeridos
nesta resolução, por parte das forças políticas democráticas que decidam apresentar-se a
eleições;
8.6.2 A organização e mobilização em todo o país dos apoiantes do Congresso com vista à
divulgação e prosseguimento do debate no espaço público das propostas desta resolução, ao
seu enriquecimento e desenvolvimento participativo e à promoção da iniciativa cidadã em
defesa das causas e dos objetivos aprovados;
8.6.3 A consolidação e alargamento da base plural de apoio ao Congresso;
8.6.4 O diálogo com forças políticas, instituições e movimentos sociais, nacionais e
internacionais, inspirado pelo propósito de estimular dinâmicas de convergência na ação e de
construir denominadores comuns para as necessárias alternativas políticas.
O Congresso mandata a atual Comissão Organizadora para que tome em mãos esta Declaração e
assegure as indispensáveis funções de coordenação da agenda pós-Congresso para a realização
destas tarefas prioritárias, incluindo através da organização e mobilização dos subscritores,
participantes e outros apoiantes do Congresso de modo descentralizado e nas regiões e,
também, da convocação de um novo Congresso. Para o cumprimento das suas funções, a atual
Comissão Organizadora deverá redimensionar e ajustar a sua composição, preservando e
reforçando o seu caráter plural e inclusivo.