por Manuela Silva
1. Portugal é um País com mais de oitocentos anos de história e que acumula um capital de mundialização que está muito para além da recente globalização da economia ou da sua condição de membro da UE e da zona monetária do euro.
Este facto permite admitir que Portugal pode beneficiar das suas múltiplas pertenças culturais, económicas e geopolíticas as quais devem estar sempre presentes quando se trata de percepcionar alternativas para definir estratégias e políticas acerca do lugar de Portugal na Europa e no Mundo, hoje e no futuro. Tais pertenças estão enraizadas numa língua partilhada com povos de outros continentes, numa economia aberta ao exterior e muito dependente em aspectos essenciais de energia, conhecimento e tecnologia, numa presença física de cidadãos e cidadãs repartida pelos quatro cantos do Mundo, numa significativa presença institucional na arquitectura da Organização Mundial (ONU, OIT, OMS, UNESCO, OCDE,…).
É neste quadro amplo que deve ser discutido o lugar de Portugal na Europa e no Mundo, sem prejuízo de que deva dedicar-se atenção particular ao quadro europeu comunitário no qual o nosso País deve assumir o protagonismo que lhe cabe como estado membro e criar condições para afirmar os seus justos interesses específicos.
2. A UE. atravessa, hoje, uma crise de identidade profunda que atinge os seus fundamentos. Por outro lado, a actual arquitectura da UE enferma de um défice democrático congénito que o Tratado de Maastricht veio reforçar.
A perda de autonomia por parte dos estados membros (por ex. em matéria de política monetária para os países que estão na zona do euro, mas também em muitos outros domínios por onde se espraiam as directrizes comunitárias) não foi superada por alguma forma de governação comunitária de raiz democrática que promova uma efectiva igualdade de oportunidades entre os povos dos vários países membros, como seria norma num quadro de uma desejável cidadania europeia.
As instituições comunitárias carecem de reformas urgentes e Portugal deve assumir um protagonismo adequado, nomeadamente estabelecendo laços com outros estados membros com interesses convergentes.
O mesmo se diga a propósito das políticas comuns. Estas merecem uma urgente avaliação, corajosa e criteriosa, no que se refere aos seus impactos na economia e na sociedade portuguesa. É este o caso da PAC, da política de pescas, de certas directrizes ambientais e outras.
Mais recentemente, é também a situação gritante relativa à moeda única e à política monetária conduzida pelo BCE. Talvez valha a pena inquirir o porquê desta situação e a quem ela aproveita. Sem questionar a necessária independência do BCE há, no entanto, que assegurar um estatuto de articulação virtuosa com uma política comum de raiz democrática. Por que não reforçar o papel dos bancos centrais dos vários países de modo a devolver aos governos nacionais alguns instrumentos de política económica que perderam em favor da moeda única e do sistema monetário europeu, sendo que não o controlam minimamente, com as consequências desastrosas que conhecemos?
3. Uma lúcida e perspicaz visão do lugar de Portugal na Europa e no Mundo requer uma mundividência cultural por parte dos decisores políticos e dos actores sociais, designadamente empresários e gestores, à altura destes novos desafios, Estarão os actuais curricula e programas escolares (nos vários níveis de ensino) em sintonia com estes desafios? E os jornalistas e outros opinion makers estão conscientes do seu papel de alimentar com informação e conhecimento uma visão ampla do lugar de Portugal na Europa e no Mundo?