por António Rodrigues
Dois factos relevantes acompanham a história do nosso SNS:
● Ser raramente governado e administrado por quem nele aposte e genuinamente acredite;
● O seu subfinanciamento.
Assim mesmo, o SNS foi-se desenvolvendo, consolidando e resistindo, à medida que os indicadores de saúde registavam uma impressionante progressão que nos situa, hoje, em termos de saúde, entre os países mais desenvolvidos do mundo. Com efeito, Portugal regista dos melhores índices de mortalidades infantil e materna a nível mundial e, segundo o Relatório da OCDE de 2011, entre 1980 e 2009 é o quinto país com melhor evolução na esperança de vida, o primeiro na redução da mortalidade por AVC, o quarto da mortalidade por enfarte, o segundo na redução dos anos de vida potencial perdidos entre 1970 e 2009, colocando-se acima da média na sobrevivência dos doentes de cancro.
A que preço? Tratemos, então, do subfinanciamento:
As dotações orçamentais para a Saúde, ano após ano, revelaram-se invariavelmente inferiores à despesa do exercício apurada nesse ano.
Pior! Foram sempre inferiores à despesa verificada no ano cessante, quando era facilmente antecipável que a tendência, mesmo registando-se ganhos de eficiência, seria sempre progressiva.
Esta é a verdadeira razão do recurso a sucessivos orçamentos retificativos. Perante estes, direita e tecnocratas clamaram incessantemente sobre o “resvalamento da despesa” e o “descontrolo das contas”, aproveitando para, capciosamente e de forma cada vez mais ostensiva, nos venderem o chavão da “insustentabilidade do SNS”.
Mas como é possível falar-se de “resvalamento” e “descontrolo” se o que está em causa é uma suborçamentação arrastada, conhecida e deliberada?
Sem deixar de assinalar que Portugal apresenta um reconhecido esforço no financiamento público da Saúde (em 2007, 7,1% do PIB para um valor médio na OCDE de 6,4%), tal não pode ocultar outro facto determinante: a um dos mais baixos PIB de entre os países da OCDE só pode mesmo corresponder uma das mais baixas despesas per capita (público + privado), como se confirma pelos dados de 2009, com 2508 dólares/cidadão em Portugal contra os 3233 na média desses países.
À situação descrita vêm agora somar-se a crise, a receita austeritária e a zelosa ultrapassagem, por parte do governo, do preceituado no Memorando da Troika.
Se o Orçamento da Saúde para 2010 rondou os 8,86 mil milhões de euros, em 2011 será amputado em 609 milhões, em 2012, noutros 617 milhões e para 2013 são apontados menos 200 milhões – um corte orçamental acumulado de 1,426 mil milhões, isto é, quase 16% em três anos!
Convém lembrar, já agora, que o BPN custará aos dinheiros públicos não menos do que 8,3 mil milhões de euros. E aqui radicam as verdadeiras opções!
Tudo isto colocará, à primeira vista, a questão da “sustentabilidade financeira” do SNS. Mas poderá questionar-se a “sustentabilidade” de um SNS que nos conduziu aos resultados em saúde acima descritos sem se questionar, previamente, a estagnação e recessão económicas?
Discutir-se a “sustentabilidade financeira” do SNS sem se discutir o modelo e as opções económicas que historicamente determinaram um PIB baixo, agravado agora pela recessão e pelo serviço da dívida, é não discutir a questão essencial: exatamente esse modelo e as grandes opções económicas.
Aqui, como no resto, a discussão terá que centrar-se no crescimento da economia, logo do PIB, logo no aumento da receita, logo na disponibilização automática de um maior financiamento para a Saúde.
Se tal não acontecer, mas só se tal não acontecer, o SNS revelar-se-á, seguramente, “insustentável”. Mas, para além deste, sê-lo-ão também a Segurança Social, a Escola pública, o emprego...
Pergunta-se então: será Portugal “insustentável”? Ou verdadeiramente insustentável é a manutenção do austeritarismo, da recessão e a destruição do tecido produtivo?