por Renato Miguel do Carmo
A aplicação das medidas de austeridade impostas pelo memorando da Troika tem provocado impactos consideráveis em diversos setores da economia e da sociedade. Destes destaco o crescimento exponencial do desemprego, a redução do rendimento disponível, o aumento do custo de vida e a diminuição drástica do consumo privado. Estes problemas estão fortemente associados e derivam de um estado geral de anemia e estagnação na qual se encontra a economia portuguesa. O setor da construção civil é um exemplo paradigmático a este respeito. Uma das formas de inverter estas tendências regressivas passa por apostar numa nova geração de políticas de investimento público.
Não faz sentido pensar a economia meramente em termos de saldo entre receitas e despesas. O bom investimento com retorno para a economia não pode ser encarado como uma mera despesa. Por outro lado, não é possível apostar somente nas exportações como o único motor da economia. É, por isso, essencial incentivar a procura e o mercado interno.
A maior arte dos indicadores comprova esta premissa. O que significa apostar nos recursos naturais, no património construído e nas pessoas. Ou seja, torna-se fundamental transformar alguns dos nossos problemas estruturais em oportunidades de investimento. Portugal detém diversos problemas de ordem sociodemográfica que afetam distintamente as zonas rurais e as urbanas. Refiro-me, por exemplo, ao envelhecimento populacional que se associa tanto às tendências de desertificação humana que afetam muitos territórios rurais cada vez mais abandonados, como ao preocupante despovoamento dos centros das cidades cujo sinal mais relevante são os prédios vazios e as casas devolutas.
Neste sentido proponho três programas de investimento público que, conjuntamente, contribuam para inverter as tendências recessivas. Estes deverão ser desenvolvidos tendo por base alguns pressupostos: a) envolver a sociedade civil (associações, cooperativas…); b) dinamizar o setor privado por meio de contratação em concurso público; c) dar primazia às pequenas e médias empresas; d) promover fortemente a empregabilidade; e) envolver as universidades, a atividade científica e de investigação.
Programa de reabilitação urbana. Tem sido proposto por diversos partidos de esquerda mas nunca foi levado por diante. Trata-se de um programa fundamental para reanimar o setor da construção civil e fazer diminuir a taxa de desemprego masculino, que neste momento é mais alta do que a taxa de desemprego feminino. Este programa deverá também impulsionar o mercado de arrendamento e envolver as associações de senhorios e de moradores, contribuindo desta forma para revitalizar os centros das cidades.
Programa nacional de reflorestação. A floresta é um recurso importante que não podemos continuar a desbaratar. Deverá não só ser preservada como se exige a revalorização de vastas áreas que têm sido fustigadas pelos incêndios. Este programa poderá ser monitorizado pelos institutos e escolas superiores de agronomia (com competência técnica e científica de à escala local e regional identificar as culturas e as espécies mais adequadas às paisagens e aos territórios), e envolver as associações de proprietários florestais e agrícolas, as associações de desenvolvimento local, os sindicatos, etc. Por outro lado, é importante dotar este programa de políticas de ordenamento territorial quer ao nível do cadastro das propriedades rústicas, quer no que diz respeito à restruturação fundiária, designadamente de emparcelamento em zonas de minifúndio. Estas medidas poderão aliar-se a outras que promovam o repovoamento de certas áreas rurais.
Programa de construção de uma rede pública de lares de idosos. Não existe uma rede pública consolidada e com qualidade de instituições para idosos, o que representa uma lacuna do nosso Estado social. Este programa para além de também poder dinamizar o setor da construção civil deverá contratualizar, sem prejuízo para o Estado, diversas empresas com competências adquiridas nas áreas do apoio e da ação social. Estes e outros programas aplicados em simultâneo dinamizarão decisivamente a economia e o mercado interno e gerariam muitos empregos diretos e indiretos. Em termos de financiamento estes poderiam ser enquadrados na negociação e planificação do novo quadro comunitário que se iniciará em 2013.