por Eduardo Maia Costa
O funcionamento aparentemente regular das instituições mal esconde uma efeti-va fraca densidade da nossa democracia.
A deficiente qualidade da representação parlamentar, devido a um sistema elei-toral capturado pelos partidos políticos que não permite aos eleitores outra opção que não seja a escolha de listas partidárias fechadas, elaboradas pelas direções partidárias, conduz a um controlo insuficiente do Governo pelas Assembleia da República.
É frágil, quase nula, a autonomia dos deputados perante as respetivas direções partidárias, que lhes impõem, como regra raramente excecionada, a disciplina de voto. As maiorias parlamentares sucedem-se rotativamente, sem que haja uma verda-deira rutura de políticas.
As maiorias que alternadamente vêm exercendo o poder cor-respondem a um bloco central político e de interesses que, garantindo a continuidade de políticas, mantêm e alimentam as clientelas partidárias, em prejuízo do interesse público.
A participação popular no exercício democrático é reduzida à eleição dos representantes.
Toda esta situação se agudizou com a chegada ao poder da atual maioria e a assinatura do memorando com a troika.
A política que desde então vem sendo seguida, a pretexto de cumprimento do programa de austeridade imposto pelo troika, traduz-se na realidade num ataque brutal aos direitos sociais e aos direitos dos trabalhadores, na lesão dos princípios constitucio-nais da igualdade, da proporcionalidade e da proteção da confiança e na degradação dos serviços públicos e do setor público em geral, e estigmatização dos seus agentes.
Caminha-se para a rutura do “contrato social” ínsito na Constituição.
Também as liberdades fundamentais correm riscos. Degrada-se a liberdade de informação e de imprensa, cada vez mais condicionada (e apropriada) pelo poder eco-nómico. Foi anunciada a extinção do serviço público de televisão. Existem ameaças mais ou menos declaradas à liberdade de manifestação. São explícitas as tentativas de condicionamento prévio das decisões do Tribunal Constitucional. Manifesta-se desprezo pela ação fiscalizadora do Tribunal de Contas.
No plano imediato, impõe-se preservar e defender:
a) Sistema constitucional dos direitos fundamentais, nas suas diversas vertentes (direitos civis, políticos, económico-sociais, laborais, etc.), quer na sua estatuição cons-titucional, quer nas suas repercussões na lei ordinária;
b) Sistemas públicos de saúde, ensino e segurança social, base indispensável do “contrato social”;
c) Independência do poder judicial, mantendo-se o atual modelo de Tribunal Constitucional, sindicando-se porém com rigor o recrutamento dos respetivos juízes;
d) Serviço público de televisão e pluralismo informativo e de opinião.
Só um movimento popular muito vasto e diversificado pode assegurar o cumprimento destas tarefas e a salvaguarda do Estado de Direito democrático tal como está consagrado na nossa Constituição.