por Catarina Martins
Estabelece a Constituição da República Portuguesa que cabe ao Estado garantir o acesso da população à Cultura. O acesso à Cultura assume múltiplas formas; acesso à memória, ao património, à arte, ao entretenimento, a usufruir e a produzir. É por essa multiplicidade que o acesso à Cultura é determinante na construção da cidadania e condição de igualdade.
É preciso olhar para a realidade do acesso à cultura para compreender muito do país que somos e como vivemos. A desigualdade, a falta de qualificação e a pouca participação cidadã que infelizmente marcam a sociedade portuguesa encontram espelho nos dados sobre a fruição cultural. Um estudo da Comissão Europeia aponta para que apenas 27% da população portuguesa tenha algum tipo contacto com atividades artísticas, o penúltimo lugar da União Europeia e bem longe da média europeia (62%).
Se a falta de políticas públicas que promovam o acesso à cultura é um problema de sempre, com a troika e a austeridade o problema agrava-se. Sem compreender a Cultura como essencial à democracia, tem sido entendido que este é o campo do luxo que pode e deve ser cortado. Corta-se no orçamento e, sintomaticamente, na autonomia. A austeridade na Cultura, como no resto, é também autoritária e centralista. Alterações na tutela dos museus e teatros nacionais são disso exemplo.
O resultado do corte no investimento e da legislação que tem sido produzida (Lei dos Compromissos, Entidades Empresariais Municipais, novas orgânicas do SEC, etc.) tem como resultado a paralisação tanto das estruturas nacionais como municipais. Teatro, museus e bibliotecas – os equipamentos públicos de promoção do acesso à cultura – estão sem condições de funcionamento. Mas é precisamente nesta rede de equipamentos, e nos criadores e investigadores que lhes criam conteúdo e sentido, que podemos encontrar os pilares de uma política pública para a Cultura.
O desenvolvimento dos equipamentos públicos de Cultura, espalhados por todo o território e com garantias de autonomia, equipas qualificadas e obrigações de acesso universal, de trabalho em rede entre si e com as comunidades de criadores e públicos e forte ligação à Escola Pública, é essencial à pluralidade de vozes e pensamento com que se constrói a democracia e a cidadania. Cabe ao Estado assegurar a existência e o funcionamento vivo destes espaços de proximidade, de minorias e de descoberta onde se constroem identidades.
A esses espaços diversos junta-se um outro mecanismo essencial: o serviço público de rádio e televisão. Em todos os países da Europa, este serviço público é um instrumento determinante de política cultural; tanto pelo que divulga como pelo que produz. A RTP é parte integrante de qualquer política pública para a Cultura.
Temos deixado quase tudo ao mercado; um mercado que produz para o ecrã e multiplica os mesmos produtos em diversos formatos. Um mercado que reproduz estereótipos e preconceitos das classes dominantes e que não conhece a história, a língua ou a geografia dos nossos lugares ou do nosso país. E um povo que não conhece a sua memória e não produz as suas próprias narrativas é um povo colonizado. A urgência do acesso à Cultura é a urgência da criação da alternativa.