por Licínio Lima
A educação pública abriu-se a novos públicos e a uma diversidade social inédita entre nós. Mas é necessário garantir a permanência e o sucesso educativo dos alunos. Sem uma verdadeira autonomia das escolas, mas antes através de “unidades” heterogovernadas, do controlo e da padronização, será impossível o trabalho educativo com a diversidade dos públicos, que é a razão de ser de uma escola democraticamente efetiva e exigente.
Em tempos de crise tudo é mais difícil, sendo indispensável a defesa de uma escola que, na sua tradição republicana, é relativamente austera e frugal, sem luxos, mas dotada da esperança e da energia próprias de quem nunca desiste. Basta, porém, ter lido o Programa do XIX Governo para temer o pior. E o pior talvez não seja, imediatamente, a falta de recursos orçamentais, mas as políticas adotadas. A austeridade tem legitimado a mais formidável ofensiva contra a educação pública, colocando em risco as aquisições, lentas, difíceis de obter, e passíveis de rápida regressão, de um sistema educativo que, ao contrário da maioria dos seus congéneres europeus, não se encontra consolidado.
Corta-se e despede-se sem critério, criam-se mais horários-zero para professores do quadro (tal o exagero e os erros de cálculo do ajustamento), prossegue-se na extinção de escolas (pois nas escolas pequenas os alunos não aprendem), traçam-se a régua e esquadro mega-agrupamentos (fusões que pagaremos caro), generalizam-se os exames para melhorar a educação (o que está inteiramente por provar), aumenta-se o número de alunos por turma (uma inconsequência pedagógica com impactos conhecidos), hierarquiza-se o currículo segundo uma visão focalista que substitui o ideal de uma educação integral por competências e habilidades economicamente valorizáveis, em torno de disciplinas consideradas essenciais. Está em curso uma nova hierarquização do conhecimento escolar, em função da economia e do crescimento, da produtividade e da competitividade, isto é, exatamente dos valores dominantes que nos conduziram à situação atual.
O vocacionalismo, que vê o desemprego e a falta de competitividade como problemas pedagógicos, e o gerencialismo, para quem o problema é o da falta de uma gestão de tipo empresarial, conduzem-nos à degenerescência dos processos educativos democráticos, ao regresso a políticas seletivas, à reelitização da escola pública. Tudo sob a ideologia do rigor e do combate ao facilitismo, quando combater soluções fáceis é exatamente o inverso: é não desistir da vocação pública da escola pública, é garantir as condições sociais e pedagógicas para uma escolarização democrática e de qualidade, é não abandonar os públicos considerados difíceis, é tornar mais ambiciosos os objetivos de uma escola democrática, governada democraticamente e não sob injunções técnico-burocráticas alienantes.