O sistema de Protecção Social deve ser forte, coerente, justo, capaz de assegurar sustentabilidade do sistema numa tripla dimensão financeira, económica e social; recusamos redutoras apreciações meramente contabilísticas ou orçamentais: não estamos a falar de reformas consistentes se estivermos perante medidas que penalizam duplamente reformados, sejam a CES ou a Contribuição de Sustentabilidade, o novo factor de sustentabilidade ou o aumento da idade normal de reforma.
Reconhecemos nas prestações sociais um papel importante no combate à pobreza e na redução das desigualdades, atenuando ainda as consequências sociais da recessão e sendo componentes fundamentais do desenvolvimento económico e social dum país sem rupturas.
As prestações não contributivas devem aperfeiçoar condições de recursos na sua atribuição e a abordagem assistencialista ou caritativa não se deve sobrepor aos direitos de cidadania; um modelo igualitário minimalista pode conduzir ao risco de se tornar num modelo residual e selectivo de cariz liberal.
Existem problemas económicos conjunturais que são os principais responsáveis pelos défices actuais da Segurança Social – a austeridade, o desemprego, a emigração, a desvalorização salarial -, mas não o envelhecimento da população ou o valor das pensões; as políticas económicas contribuem para a sustentabilidade da Segurança Social, enquanto fomentem o crescimento da produtividade e do emprego e reduzam o desemprego, mas sem o reverso da precariedade, da facilitação de despedimentos e da política de baixos salários.
Os trabalhadores precários devem estar protegidos pela Segurança Social, a responsabilidade social do Estado e das empresas não pode permitir o crescimento generalizado do trabalho precário. Combater a fraude e a evasão contributiva mas também prestacional, e a sinistralidade laboral, devem resultar em acções que antecipam resultados positivos para o sistema e reforçam a protecção de trabalhadores.
Deve também ser avaliada a eficácia e a eficiência do sistema de Segurança Social, quer ao nível da cobrança de contribuições, quer ao nível da atribuição de prestações sociais.
Políticas de apoio às famílias devem ter em conta a conciliação do trabalho com a vida pessoal e familiar, serem igualitárias e não discriminarem as mulheres; não devem circunscrever-se apenas ao apoio à maternidade porque acabam por segregar ainda mais o acesso e a progressão das mulheres no mercado de trabalho; devem ainda ter em atenção e incluir as novas expressões familiares e acabar com a actual discriminação das famílias monoparentais ou não heterossexuais. (mas não se pense que por si só terão efeitos com precariedade no mercado de trabalho e baixos salários).
Deve ser reconhecida a importância da diversificação das fontes de financiamento, e efectuada uma avaliação da implementação do Código Contributivo, equacionando, complementarmente, componentes de receita alternativas, mas mantendo o sistema previdencial ancorado na TSU.
Defendemos a convergência dos sistemas, tendo em conta o seu contexto histórico, financiamentos passados e clarificando responsabilidades futuras, avaliando aspectos próprios do financiamento decorrentes duma política recente de forte desvalorização salarial, redução do emprego, e não assumpção de compromissos das entidades empregadoras.
O maior custo do plafonamento/capitalização/privatização, qualquer que seja o nome pelo qual os querem embrulhar, não é o do período de transição, mas sim não ser redistributivo, não estar imune a constrangimentos económicos nem ao envelhecimento demográfico, causar incerteza no valor da pensão a receber; por outro lado, sendo a Segurança Social um Direito Humano, quem deve garantir a universalidade quando o mercado não pode exprimir preferências sociais, é o Estado enquanto representante da comunidade.
O envolvimento dos Parceiros Sociais é fundamental ao nível da negociação, mas também da participação e da gestão do sistema, tal como defende a Constituição. A participação dos Parceiros Sociais nos diferentes níveis do Sistema de Segurança Social, seja de discussão ou gestão, não pode nunca ter um papel meramente consultivo.
Qualquer reforma deve resultar de estudos transparentes, disponibilizando informação estatística rigorosa e clara, escrutinada não apenas pelos partidos no Parlamento mas também pelos Parceiros Sociais em sede de Concertação Social, pela Academia, pelos movimentos sociais (nomeadamente de reformados e pensionistas, de precários) e pela imprensa.
Finalmente, a reforma adoptada deve ter uma implementação gradual não prejudicando a confiança no sistema, observar direitos adquiridos e em formação, respeitar o contrato social, preservar a solidariedade inter-geracional. É fundamental recuperar a confiança das várias gerações no sistema, que tem sido fortemente abalada pelo discurso deste Governo e pelas alterações abruptas que este tem provocado. Esse é um papel do qual não podemos abdicar. Esse é o desígnio para o qual queremos contribuir, nós, todas e todos, que defendemos uma Segurança Social pública universal e solidária, em defesa do trabalho, dos salários e das pensões.
Referências em iniciativas e documentos: Congresso Democrático das Alternativas (5 de Outubro de 2012), debate Vencer a Crise com a Segurança Social (13 de Abril de 2013), conferência Vencer a Crise com o Estado Social e com a Democracia (11 de Maio de 2013), conferência Em Defesa da Segurança Social Pública: A Questão das Pensões (5 de Abril de 2014), livro Estado Social, de Todos para Todos (Maio de 2014)
José Luís Albuquerque
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8 comentários:
Resta-nos a política
A prolongada crise financeira e o impacto devastador da política de austeridade levada a cabo nestes últimos 3 anos provocaram uma pressão crescente sob o sistema público de segurança social. O aumento substancial do desemprego e dos níveis de emigração da população em idade ativa produziram uma redução expressiva e repentina no número de contribuintes para sistema. A emigração vem, por sua vez, acelerar ainda mais o envelhecimento progressivo da população. O agravamento destes três fenómenos associados significa a prazo um desequilíbrio muito complicado no orçamento da segurança social. É evidente que este pode ser parcialmente calibrado por via de um conjunto de medidas políticas bem identificadas pelo texto de autoria do José Luís Albuquerque. Contudo, não tenhamos dúvidas que muitos destes problemas só terão uma resolução estrutural por via do aumento do emprego e da produtividade. No fundo, estamos perante uma espécie de quadratura do círculo: a segurança social é afetada pelo agravar dos desequilíbrios demográficos que, por seu turno, só conhecerão um reequilíbrio se a economia crescer e o emprego aumentar. Este é o grande desafio da próxima década e dos futuros governos: conseguir fazer a economia desenvolver-se e crescer para que mais gente se empregue aumentando assim os contribuintes para o sistema de provisão. É um desafio imenso tendo em conta os fortes constrangimentos financeiros do país resultantes da dívida pública e das regras orçamentais impostas pela União Europeia. Um desafio que requererá o regresso à política com capacidade de, por um lado, afrontar os enormes interesses que têm tomado conta das instituições europeias e, por outro, encetar um processo negocial de reestruturação da dívida e revisão das regras consignadas no Tratado Orçamental. No fundo, resta-nos a política como instrumento fundamental para pôr a economia funcionar e a demografia a crescer. Trata-se uma verdade tão simples, mas cuja missão é quase impossível. Contudo, não resta outra alternativa à esquerda senão tentar.
Renato Miguel do Carmo
Por Rosa Coelho/Manuel Pires
A fraude e evasão abrangem empresas/contribuintes com obrigações contributivas e trabalhadores/beneficiários no acesso abusivo ao sistema de prestações. Tem maior incidência em situações de crise.
Afeta significativamente os recursos financeiros do sistema público da segurança social, enfraquecendo a viabilidade futura da proteção social, sobretudo em situação de queda/fraco crescimento económico e demográfico.
A prevenção e combate à fraude e evasão visam, fundamentalmente, a sustentabilidade económica, social e financeira do sistema; a manutenção e reforço da proteção social dos cidadãos e um maior rigor e justiça no esforço contributivo.
Manifesta-se sobretudo no trabalho ilegal, no não declarado/subdeclarado, no recurso a falsos recibos verdes e em omissão das declarações de remunerações e respetivo pagamento das contribuições.
Incide frequentemente nas situações que envolvem trabalhadores clandestinos (sem quaisquer direitos), trabalhadores subsidiados no desemprego ou por doença fraudulenta, em situações de cúmulo de empregos e em novas formas de trabalho, designadamente, o domiciliário.
A não declaração está sobretudo ligada à institucionalização da economia clandestina como produto de modelos de desenvolvimento socioeconómicos assimétricos na distribuição da riqueza criada, agravada em situações de austeridade e crise.
Os trabalhadores são forçados a aceitar piores condições laborais ficando socialmente desprotegidos, muitas vezes, levados pela ilusão do aumento imediato dos seus rendimentos.
Algumas empresas, sentido dificuldades económicas e financeiras, infringem as leis entrando no mundo da economia clandestina e paralela reduzindo os custos, para se tornarem mais lucrativas e competitivas.
Estas práticas ocorrem mais nos sectores de atividade de mão-de-obra intensiva e com pouca qualificação como: construção civil; atividades sazonais; restauração; serviços domésticos e indústrias da manufaturarão.
Com o recente aumento da precarização dos vínculos laborais, surgem situações fortemente indutoras da evasão contributivas como o falso trabalho independente, trabalho a tempo parcial, omissão do trabalho suplementar e falsas prestações salariais, (habitação, transporte, ajudas de custo…).
A estratégia de prevenção e combate à fraude e evasão deverá assentar num estudo e conhecimento profundo do fenómeno, na cooperação entre os agentes com responsabilidades inspetivas/fiscalizadoras, na utilização de tecnologia (TIC) específica, em ações de comunicação/sensibilização pedagógica junto das empresas e, no desenvolvimento das medidas de dimensão: reguladora/legislativa; preventiva e inspetiva/fiscalizadora.
Deverá assentar na base da aplicação coordenada e integrada de ações, com recurso a ferramentas tecnológicas inteligentes e a novas abordagens metodológicas de intervenção inspetiva, tendo como objetivo estratégico fortalecer o Sistema Público, contribuindo para uma proteção social mais eficiente mais forte e rigorosa, gerando a necessária confiança no mesmo.
Comentário para o debate sobre protecção social
Por Henrique Sousa
Um sistema de segurança social público alicerçado nos princípios de solidariedade, universalidade e estreita relação com o trabalho, no reconhecimento dos direitos sociais como direitos fundamentais e na redução da desigualdade e da pobreza, na protecção do princípio da confiança, na combinação de um regime previdencial fundado na contribuição sobre os rendimentos do trabalho com um regime de protecção social de cidadania, não é compatível com a política de austeridade ultraliberal do actual Governo e da União Europeia. Implica a assunção de escolhas estratégicas quanto à sociedade que queremos construir e em que queremos viver. Escolhas políticas. Com consequências na definição das prioridades, das políticas públicas e da distribuição de recursos escassos.
Ao contrário, as teses que já circulam avançadas pelos “intelectuais orgânicos” da área do Governo apontam para a constituição de um novo sistema de segurança social que acabe com o princípio da protecção da confiança e corte direitos dos actuais reformados; elimine o regime de repartição com benefícios definidos, em favor de lógicas de individualização e capitalização; aplique o regime de plafonamento no sistema previdencial; reduza o papel do Estado no sistema de protecção social em favor de um assistencialismo a cargo de instituições privadas com financiamento público. Tudo em nome da crise, das orientações europeias e da insustentabilidade financeira do actual modelo. E sem sequer avançarem a prova da sua sustentabilidade e as contas que as fundamentam.
O futuro da segurança social e as escolhas a fazer deve constituir um elemento central no debate programático das alternativas políticas à actual governação. Com o aproximar das eleições legislativas, os cidadãos e forças políticas, sociais e sindicais que rejeitam a visão austeritária vigente têm neste período uma oportunidade, a não perder, para somar à necessária resistência à iniquidade social desta governação a discussão pública das propostas que assegurem a sustentabilidade do nosso sistema de protecção social, na perspectiva do seu desenvolvimento e aperfeiçoamento e fazendo a crítica consistente às teses da direita. Reconhecendo as pensões e o conjunto das prestações sociais como factor de coesão social e de dinamismo económico e não como fardo insuportável a alijar.
Isso exige ir ao debate sobre os constrangimentos financeiros, económicos, sociais e demográficos e sobre as soluções para assegurar a estabilidade do sistema, reduzindo a incerteza e protegendo a confiança. Analisar o financiamento do regime previdencial, mantendo como base a tributação autónoma dos rendimentos do trabalho, mas estudando medidas que alarguem a base contributiva e programas mais eficazes de combate à fraude e evasão. Encontrar soluções que respondam à desconfiança das novas gerações de trabalho precário e “independente” para com a segurança social. Reforçar os mecanismos redistributivos na gestão das prestações sociais e dignificar a utilização da condição de recursos como instrumento de satisfação responsável de direitos sociais legítimos e não como garrote burocrático e repressivo para cortar despesa social. Desenvolver o processo de convergência e unificação dos sistemas públicos de pensões, com protecção dos direitos constituídos e do regime de repartição com benefícios definidos. Concretizar mais eficazmente o princípio constitucional, hoje desvalorizado, da participação das organizações de trabalhadores e demais beneficiários na organização e direcção do sistema.
Reformar não é fazer cortes. É melhorar a sustentabilidade do sistema na sua tripla dimensão económica, social e política e sempre assegurando a sua conformidade com o quadro constitucional. Construindo nesse processo os acordos políticos e sociais alargados que garantam a estabilidade e a confiança num sistema essencial à qualidade da democracia e à coesão social. Com uma condição prévia: dados e contas transparentes, públicos, acessíveis, fiáveis e auditados. Esta condição está por cumprir.
A propósito da necessidade de estudos e estatísticas credíveis
Nas administrações públicas modernas, adquire crescente importância a prática da transparência, que permita decisões informadas nos cidadãos e responsabilização dos governantes e dirigentes na condução das políticas. Tal torna-se ainda mais exigível na Segurança Social. Primeiro, é um ramo das políticas públicas com influência direta sobre o bem-estar dos indivíduos e famílias. Segundo, é uma área onde ainda vinga grande desconhecimento sobre objetivos, meios, práticas e resultados. Terceiro, a opacidade reinante torna a Segurança Social vulnerável a ataques de teor ideológico, raramente fundamentados. Quarto, se são pedidas escolhas aos cidadãos na gestão da sua proteção social ou em decisões relativas à sobrevivência do Estado Social, é imprescindível que tal seja feito num ambiente de transparência total e de promoção da confiança no sistema.
É por isso imprescindível que haja mais e melhores estatísticas, as quais passem a incidir na avaliação de impactos e não somente a avaliação do desempenho ou a contagem de beneficiários de determinada prestação. Há lacunas gravíssimas nas estatísticas da Segurança Social, como o desconhecimento total sobre quantos são os pensionistas beneficiários de pensões mínimas, para citar um exemplo entre muitos. É importante que se mude das estatísticas “faladas” (pequenos apontamentos referidos por responsáveis políticos) para estatísticas publicadas regularmente. É imprescindível que haja rigor na publicação das estatísticas e que se evitem as sucessivas e frequentes manipulações políticas das mesmas desde a raiz. Importa que a sociedade em geral (cidadãos, parceiros sociais, media, academia, responsáveis políticos, etc.) conheça ou disponha de meios libertados pela Segurança Social para melhor estudar e a partir daí poder opinar sobre temas como a sustentabilidade, a questionável eficiência das pensões mínimas, as medidas de promoção da natalidade, o envolvimento dos trabalhadores independentes no sistema, a cooperação com o terceiro setor, entre muitos outros.
A relação entre o cidadão e a Segurança Social tem de ser construída em alicerces de confiança. Só neste contexto se tornam possíveis decisões informadas, de parte a parte.
Vítor Junqueira
A propósito da transparência…
A simplificação da comunicação como pilar do exercício da cidadania
A simplificação da comunicação é ainda um tema pouco falado, quando a questão é a transparência do sistema. No entanto, num sistema de Segurança Social tão complexo, mas tão essencial para a vida dos cidadãos, a questão da comunicação entre Administração e o cidadão assume uma importância fulcral.
A simplificação da linguagem utilizada pela Segurança Social quando comunica com o cidadão, que tem de fazer escolhas para a sua vida com base na informação transmitida, afirma-se, cada vez mais, como um ponto essencial para assegurar o exercício pleno da cidadania, enquanto pedra de toque do sistema democrático. Só compreendendo a informação que lhe é transmitida é que o cidadão poderá participar ativamente na sociedade e fazer valer os seus direitos; só assim poderá ter uma opinião informada e pessoal, sem interferências de terceiros ou toldada por obscuridades do sistema.
Questionam-se (e bem) as medidas tomadas no âmbito da Segurança Social, os cortes nas pensões e no acesso aos apoios sociais, porém, quem é abrangido por estas medidas, muitas vezes, não as compreende. Os pensionistas têm extrema dificuldade em perceber como foram efetuados os cálculos da sua pensão, pois o ofício não é claro, impedindo que os pensionistas entendam efetivamente o que lhes está a ser pago e, se for caso disso, que reclamem.
Considerando a amplitude dos cidadãos que acedem à segurança social, abrangendo praticamente toda a população, e a sua área de atuação, vital num Estado Social, a Segurança Social adquire uma importância fundamental na vida dos cidadãos, reforçando a necessidade da sua comunicação ser clara e eficaz.
O cidadão é um ator político, devendo ser parte ativa nas decisões políticas. Todas as decisões relacionadas com a proteção social têm um impacto direto na vida dos cidadãos, moldando as suas escolhas diárias e cerceando ou garantindo direitos e, sem dúvida, é importante que este consiga comunicar eficazmente com a Administração e entender claramente a mensagem que esta lhe pretende transmitir. Só desta forma, o cidadão terá capacidade de compreender os seus direitos e deveres, por forma a poder exercer plenamente a sua cidadania.
O Terceiro Setor em Portugal
A relação entre o Estado e o Terceiro Setor alterou-se ao longo do século passado. Até à Constituição de 1976 o Estado assumiu um papel essencialmente supletivo, restringindo-se ao mero assistencialismo corporativista de base caritativa. Após 1976 o Estado reforçou o seu intervencionismo e responsabilidade, à luz de uma nova conceção de cidadania social, assente numa relação de parceria, consolidada ao longo de décadas (tendo como expoente a assinatura, em dezembro de 1996, do Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social). A cooperação entre o Estado e o Terceiro Setor pressupõe, tal como em tantas outras áreas de política pública, um conjunto de obrigações e direitos entre as partes, incluindo o normal acompanhamento por parte do Estado da correta utilização e execução de medidas de política, bem como do financiamento público envolvido. Tal pressuposto torna-se ainda mais relevante considerando que a despesa com a Ação Social ultrapassou já os 1.600 milhões de euros anuais.
Contudo, esta relação de equilíbrios parece estar ameaçada com a recente regulamentação da Rede Local de Intervenção Social (RLIS), em que o Governo passa para as IPSS’s competências até agora assumidas diretamente pelo Estado, tais como o planeamento da ação social, a contratualização ou até a atribuição de subsídios eventuais.
De acordo com declarações do Secretário de Estado da Segurança Social em 25 de setembro de 2013 a órgãos de comunicação social, o "Governo vai descentralizar competências na área da ação social e delegá-las a instituições de solidariedade (…). Para tal, essas instituições serão financiadas, com fundos comunitários, para colocarem os seus recursos, desde logo humanos, ao serviço de tarefas que até agora passavam pela Segurança Social". Com efeito, a criação da RLIS pode representar mais do que uma alteração de "paradigma", podemos mesmo estar perante a desregulação de uma área, que já de si é de difícil acompanhamento e monitorização.
Este dito "novo paradigma" levanta dúvidas sobre o papel futuro do Estado na Ação Social, sendo esta preocupação maior, quanto maior for o montante de financiamento público (nacional e comunitário) envolvido, pelo que deverá ser salvaguardada uma forte componente de coordenação, monitorização, avaliação e fiscalização por parte do Estado.
Em oposição tem-se assistido a um recuo da proteção social, sustentada num argumentário que hiperboliza o combate à fraude em determinadas prestações sociais ao ponto de se questionar a sobrevivência do próprio sistema de proteção social; que privilegia a visão assistencialista e emergencialista da ação social em detrimento de uma abordagem pelos direitos e sustentada em medidas preventivas e que parece desregular aquele que era um princípio fundamental da cooperação entre o Estado e o Terceiro Setor, que consistia nos poderes de Tutela do Estado no garante dos objetivos de desenvolvimento social.
Cláudia Joaquim
INVERTER AS ABORDAGENS
Por Sérgio Manso Pinheiro
Como é defendido no texto de José Luís Albuquerque e sintetizado por Henrique Sousa: “reformar não é fazer cortes”.
O argumento destes 3 últimos anos “não há dinheiro” é a versão explícita do argumentário das duas últimas décadas: “temos que reduzir para salvar”.
Se seria de esperar que a simples destruição e eliminação dos direitos sociais tornasse a discussão política mais simples e a sua desmontagem mais fácil para todos os que entendem que não há sociedades dignas e desenvolvidas sem sistemas de proteção social sólidos e capazes de responder a eventualidades que coloquem em risco os direitos sociais fundamentais, a verdade é que ao fim destes3 trágicos anos temos despendido enormes energias para defender o Estado Social e os seus sistemas de proteção social.
Importa que não deixemos de afirmar princípios e não aceitemos a sua submissão à ditadura das “ciências económicas e financeiras”. Nesse sentido, vale a pena reafirmar constantemente valores que determinam a economia e nunca que os valores são os possíveis de acordo com a situação económica.
Nesse sentido, considero que é importante relembrar e firmá-lo com um dogma de uma governação à esquerda, hoje, o lema da Conferência sobre o Estado promovido pelo CDA: «O Estado social não é gordura, é músculo».
Um segundo princípio que me parece ter que ser assumido e relembrado é que a prioridade da governação deve ser no sentido de evitar as situações de rutura e carência social. A ambição da governação à esquerda não é criar um sistema de proteção social (refiro-me aqui aos sistemas de apoio social) com um fim em si mesmo, mas sim, ter um sistema capaz de garantir que em nenhuma circunstância nenhum cidadão deixará de ter garantias de uma vida com dignidade.
Este princípio pode parecer evidente no exemplo do desemprego. Simplificadamente, a ambição não é ter um grande orçamento na rúbrica do subsídio de desemprego, mas sim reduzir o desemprego. Mas verdadeiramente perversa é a política dos últimos anos, que tem sido a de redução (em relação ao n.º de desempregados) do subsídio de desemprego em paralelo com o aumento do desemprego.
À esquerda, importa reafirmar que a prioridade é a da criação de emprego, de plenos direitos.
Mas menos evidente, ainda que não menos atual, é a discussão da necessidade de redução do tempo de trabalho – do horário e dos dias de trabalho. E não só pela afirmação (relente) dos princípios do direito ao tempo de descanso e lazer. Nas sociedades modernas, com inúmeras novas capacidades de aumento de produtividade, é absolutamente retrogrado aumentar o tempo de trabalho. Mas é também um ataque ao bem-estar (com repercussões familiares, mas também de saúde, …) e aos rendimentos do trabalho e aos sistemas de proteção social. Por exemplo, o prolongamento da jornada de trabalho acresce custos nos apoios aos cuidados dos filhos e idosos.
Em suma, o compromisso à esquerda deve ser o do reforço das políticas de criação de emprego, da promoção de um código do trabalho digno e universal (a defender também no âmbito da Europa), da redução do tempo útil do trabalho, de aumento da eficiência dos serviços públicos (eliminando burocracias e tempos) e de redução das ruturas sociais e económicas. Garantindo, no entanto, que o sistema de proteção social estará pronto a acorrer a todas as necessidades. Esta ambição não é refém da economia.
QUANTO ÀS COMISSÕES DE PERITOS
Por José Luís Albuquerque
As propostas de medidas que assegurem a sustentabilidade das pensões e dos sistemas de Segurança Social são importantes mas os processos também: como é que devem ser constituídas as comissões de peritos que estudam e propõem reformas do sistema de pensões?
É muito frequente ouvir-se dizer que o Livro Branco da Segurança Social da 2ª metade dos anos 90 já tinha a proposta que garantia a sustentabilidade da Segurança Social e que era unânime; porque a memória é fundamental para preservar a verdade e para evitar a repetição dos erros, relevem-se posições divergentes do discurso que se apregoa.
Sendo uma Comissão plural e de numerosos e reconhecidos peritos em Segurança Social, destaquem-se 2 declarações de membros da Comissão do Livro Branco da Segurança Social:
a) Fernando Moreira Maia, afirmava que era desejável “que tivesse sido possível assegurar maior equilíbrio entre o desenvolvimento dado aos aspectos demográficos, económicos e de sustentabilidade financeira, por um lado, e o que foi reservado aos relacionados com a equidade e a prevenção e combate à exclusão social, por outro lado”;
b) Boaventura Sousa Santos, Maria Bento, Maldonado Gonelha e Alfredo Bruto da Costa numa declaração conjunta, afirmavam dever ser questionadas as reformas da Segurança Social e dos sistemas de pensões numa tripla abordagem, “Primeira: Pode a reforma da Segurança Social arriscar-se contribuir para o aumento das desigualdades sociais? Segunda: Pode a reforma da Segurança Social produzir uma redistribuição dos riscos sociais de tal modo que a protecção social contra eles passe a ser mais um assunto dos indivíduos e do mercado do que um assunto do Estado? Terceira: Pode a reforma da Segurança Social redundar numa redução global da protecção social?”, sendo de recusar qualquer reforma que prossiga com esses objectivos.
Comissão plural e alargada, representativa de vários sectores da sociedade e de correntes de pensamento, que não desvalorizem aspectos sociais, são pressupostos que devem estar garantidos para uma discussão democrática e não enviesada dos problemas e das soluções. Não se conhecem os trabalhos da comissão que foi mandatada pelo Governo para apresentar ‘soluções’, mas questiona-se se estes pressupostos estiveram presentes. E se houver comissão como garantido no chamado guião da reforma do Estado, como vai ser?
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