por Sara Falcão Casaca (*)
Vivemos um período particularmente crítico do ponto de vista do emprego, no quadro de uma grave crise financeira e económica, de reformas liberalizantes no plano da legislação laboral e de um impiedoso programa de austeridade. Defendo que a análise do agravamento das condições laborais requer a integração de uma perspetiva de género. Este é um desafio que se estende à reflexão e ao desenho de alternativas (cenário que este pequeno texto pretende também estimular…).
Apesar de desempenharem um papel central na atividade económica do país, as mulheres vêem-se frequentemente privadas de condições de emprego compatíveis com a sua autonomia pessoal (material e simbólica). A fragilidade dos vínculos contratuais, a insegurança de emprego, o trabalho a tempo parcial involuntário e os baixos salários têm abrangido fundamentalmente a população trabalhadora feminina. Os últimos dados divulgados pelo INE, referentes ao 2º trimestre de 2012, expõem a vulnerabilidade (estatística, apenas…) de cerca de 40% da população ativa (incluindo pessoas desempregadas, registadas como inativas desencorajadas, subempregadas e com contratos precários). As mulheres perfazem 51% desse total, num contexto que reflete uma degradação muito acentuada das condições laborais dos homens, em particular o crescimento galopante do número de desempregados. Esta situação deve, todavia, ser interpretada à luz da segregação sexual que prevalece na estrutura da atividade económica; os setores com maior concentração de força de trabalho masculina foram os primeiros a ser severamente atingidos pelo flagelo do desemprego. Dados de junho (IEFP) confirmavam a assinalável perda de postos de trabalho nos subsetores “comércio, manutenção e reparação de veículos automóveis e motociclos” (aumento de 35,9% em relação ao trimestre homólogo de 2011) e “construção” (uma subida de 35,6% relativamente ao período temporal homólogo). No entanto, a contração da economia, os cortes dos salários e pensões, a quebra no poder de compra, o empobrecimento da classe média e a retração da procura interna estão a colocar em risco postos de trabalho em setores tradicionalmente mais feminizados (desde os serviços pessoais, passando pelo comércio e pela restauração, entre outros). As transformações em curso nos sectores ligados à educação, saúde e apoio social, a par do efeito das políticas de austeridade, afiguram-se igualmente ameaçadoras (situação refletida, aliás, no agravamento do desemprego entre os/as "docentes do ensino secundário, superior e profissionais similares”).
Junto-me às vozes que se indignam com a hegemonia dos princípios neoliberais e com um programa de austeridade que tanto sacrifica a dignidade das condições de trabalho e de vida. A privação de emprego (digno) representa a negação de um direito inalienável de todos os seres humanos. A depreciação do valor do trabalho, o emagrecimento (cego) do Estado social, os cortes em apoios essenciais, bem como a individualização das relações laborais e a retração em direitos laborais básicos, apresentam-se como um recuo inaceitável: a inversão no desejável percurso de aprofundamento da cidadania, da participação e do diálogo social, do bem-estar coletivo, da inclusão e da coesão social. Cabe-nos, pois, a partir das nossas várias esferas de intervenção, prosseguir na conjugação de saberes, experiências e diagnósticos… a fim de projetar a força das alternativas.
(*) Professora universitária.