por António Carlos dos Santos
O Memorando de entendimento (ME) continha medidas fiscais desgarradas que foram a base do programa do governo. Mas continha sobretudo metas: obter receita para reduzir o défice para 4,5% em 2012 e 3% em 2013 e promover a competitividade.
O ME previa o aumento de todos os impostos, nomeadamente através da redução de benefícios e deduções. A receita decorrente das medidas fiscais estimada para 2012-2013 era de 3600 milhões de euros. Destes, só 175 milhões vinham (apenas em 2012) do combate à fraude e evasão, quando, em 2009, a economia paralela ascendera a 1/5 do PIB.
Quanto à competitividade, o ME era contraditório. A principal medida (que caiu por pressão popular) era a redução do contributo dos empregadores para a TSU, acompanhada da subida do IVA, uma velha ideia do receituário neoliberal, sem provas dadas e de efeitos duvidosos. Mas, em concreto, o ME previa várias medidas desfavoráveis à competitividade como a abolição do regime da interioridade bem como da taxa de 12,5% do IRC, criados para as PME. Previa ainda um aumento das taxas de IVA sobre a electricidade e o gás e a aplicação de uma directiva europeia sobre a electricidade. Propostas para reforma da ineficiente justiça tributária (elemento central para a competitividade) eram tímidas, ignorando muitas das soluções avançadas (sem custos), em 2009, pelo Grupo de Política Fiscal. Além disso, o ME tinha várias outras incongruências técnicas, mostrando ser um documento feito à pressa, por quem desconhecia a situação fiscal do país e da UE.
Mas se o ME era medíocre, a prática do Governo é bem pior. Visando diminuir o défice custe o que custar e ao arrepio das promessas eleitorais, o executivo gerou um verdadeiro massacre fiscal sobre a classe média, sobre os mais pobres e sobre as PME. Além das subidas de IRS e do IVA, procedeu a cortes seletivos de subsídios de funcionários e pensionistas que, contabilisticamente se apresentam como medidas do lado da despesa, mas que, pela técnica usada, são medidas de natureza parafiscal, declaradas – e bem – pelo Tribunal Constitucional como inconstitucionais por violação do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos.
No final, os resultados da governação revelam desvios colossais. Nem o défice cumpre os 4,5% (longe disso), pois Gaspar, qual aprendiz de feiticeiro, não teve em conta, na previsão das receitas, a previsível quebra da atividade económica e do consumo e o aumento da evasão fiscal. Nem a competitividade aumentou, bem pelo contrário, em relação aos nossos principais concorrentes. O único objetivo deliberadamente atingido foi o empobrecimento do país. Para o povo, fica o amargo sabor de um esforço inglório e de uma injustiça crescente.
As medidas anunciadas para 2013 pelo PM acentuam o massacre fiscal neoliberal. Mantêm-se os cortes na função pública, agindo agora pela via da receita (TSU), aumenta esta para os trabalhadores privados e mantêm-se os cortes nas pensões, como se o dinheiro para pagar as pensões fosse do Estado. A meta de 2012 de se efectuar a consolidação em 2/3 por via da despesa era afinal conversa fiada. Com a redução da TSU para os empregadores, cumpre-se um programa ideológico que alivia indistintamente a tesouraria de empresas, mas não cria emprego (há um ano, os adeptos da medida diziam que, para ser eficaz, a redução deveria ser, pelo menos, 8 p.p.) Mantém-se a preferência por tributos regressivos (como a TSU) em que quem menos ganha mais paga. Insiste-se em medidas inconstitucionais contra o sentido do acórdão do Tribunal Constitucional. Qual Robin dos Bosques invertido, o PM leva a cabo uma política de redistribuição de rendimentos em favor dos mais favorecidos.
Em suma: instaura-se a economia do medo; põe-se os trabalhadores a pagar aos empregadores para que estes criem empregos, sem garantir no futuro as suas pensões. E põe-se os cidadãos que não contribuíram para a crise a pagar as malfeitorias dos BPN, dos submarinos, de obras públicas duvidosas, das agências de rating, da especulação financeira, das taxas de juro usurárias dos empréstimos, etc... É obra!!!