Gostaria para começar esta breve conversa de vos pedir que imaginem comigo esta sena:
Um dia o fundador do Serviço Nacional de Saúde teve uma muito improvável crise existencial e antes de submeter a lei do Serviço Nacional de Saúde ao Parlamento, resolveu perguntar aos poderes financeiros do tempo se era possível haver Serviço Nacional de Saúde em Portugal. Como devem imaginar a resposta foi: não. E a seguir a essa resposta veio a explicação, e a explicação veio nesta expressão emblemática do superiorismo financeiro: não há dinheiro!
Mas nesta expressão tão popular, é de facto a versão popular de um pensamento mais profundo, que é o seguinte: não há dinheiro para estas coisas!
Não há dinheiro para permitir que as pessoas tenham uma vida digna e protegida das ameaças que nos rodeiam todos os dias!
Não sei, se tiveram oportunidade de enfrentar este tipo de argumento na vossa vida habitual, se tiverem tenho um conselho para a resposta que podem dar, e a resposta que podem dar, foi dada há muitos anos em 1948 pelo fundador do serviço nacional de saúde inglês, que às questões do tempo, numa Inglaterra destruída pela guerra, numa Inglaterra super-individada, deu a seguinte resposta que vos leio: devemos estar orgulhosos pelo facto de, apesar das nossas dificuldades financeiras e económicas, termos sido capazes de fazer o que de mais civilizado há no mundo: pôr o bem-estar dos doentes acima de qualquer outra consideração! Isto foi dito há 50 anos e continua a ser absolutamente verdadeiro nos dias que correm.
Não havia dinheiro, não há dinheiro para estas coisas. Mas houve Serviço Nacional de Saúde, e de que maneira!
Estaremos todos de acordo que o Serviço Nacional de Saúde foi possivelmente o maior sucesso da democracia portuguesa!
E não nos esqueçamos, apesar das imensas provações que o Serviço Nacional de Saúde hoje sofre.
A Grécia, país hoje por boas razões muito em foco, não teve a mesma sorte.
E eu quero dizer algumas palavras sobre porque é que não teve a mesma sorte.
Como possivelmente adivinham pelo nome, sou de ascendência grega e o grego foi a minha primeira língua materna, portanto falo um grego familiar, simples, não erudito. Espero que não me peçam para dizer umas palavrinhas em grego. Mas por razões profissionais, visitei a grécia muitas vezes nos últimos seis anos. E visitei-a para, com colegas e amigos, vermos se seria possível também na Grécia haver um Serviço Nacional de Saúde. Possivelmente sabem que, também na Grécia, houve uma lei do Serviço Nacional de Saúde em 1983. E apesar de haver também uma lei, o que é que aconteceu? Nos primeiros anos fizeram centros de saúde nas zonas rurais da Grécia, financiados pelo orçamento geral do estado, e paulatinamente colocaram-se lá médicos, clínica geral, médicos de família. Hoje o movimento parou. Nunca chegou às cidades gregas. E temos esta situação, altamente invulgar, que é ter um Mini Serviço Nacional de Saúde no campo, financiado pelo orçamento geral do estado, com médicos de família, poucos, e nas cidades gregas continuarem a existir as Caixas de Previdência, as caixas que nós tivémos há 40 anos. Financiadas pela Segurança Social, com especialistas, com uma medicina que já não se pratica em qualquer país europeu avançado.
Pensem nas consequências disto. Um sistema financiado pela Segurança Social é um sistema ligado so trabalho. Quando uma pessoa perde o trabalho perde o acesso aos cuidados de saúde. E na Grécia durante os últimos anos, temos tido constantemente um nível de desemprego de 25% e possivelmente subestimado. Portanto, 25% da população grega perdeu o direito à saúde.
E o que é que aconteceu? Porque é que a Grécia não foi capaz de fazer um Serviço Nacional de Saúde? A explicação é relativamente simples e óbvia. É que a qualidade do sistema político grego considero equiparada a um gestor de um estado profundamente clientelar. Encontrou o seu equilíbrio assegurando-se as vantagens extrativas do clientelismo e em troca oferecendo a uma parte da população grega benesses pouco razoáveis, que em pouco contribuíram para o desenvolvimento do país. Essa é a explicação porque não foi possível instituir na Grécia o Serviço Nacional de Saúde.
E também é preciso acrescentar que durante estes anos, de incompetência clientelar, de incapacidade de pôr à frente do objetivo principal do governo o bem estar das pessoas, essa situação foi vista pela União Europeia com o maior conforto, com a maior simpatia, com o maior imobilismo, sem nunhuma crítica, ao contrário do que acontece nos últimos três meses.
E as consequências são as que já sabem. Nós perdemos nos últimos anos quase 8% da nossa riqueza, os gregos perderam 25% da sua riqueza nos últimos anos.
Uma situação verdadeiramente dramática.
E agora ao novo governo grego coloca-se um tremendo desafio, atentem bem: desfazer estas raízes clientelares, este estado profundamente capturado por interesses outros que não os da população grega, numa Europa com duas faces: uma profundamente hostil, outra timorata e não solidária, fazer o mínimo. Esta é uma tarefa ciclópica.
Dificilmente os gregos a poderão realizar sozinhos, precisam da nossa ajuda.
Jean Claude Junker disse a um diário grego em Março de 2012 , dois anos depois do início do programa de ajustamento grego e um ano depois do início do programa de ajustamento português, o seguinte: “Os planos sugeridos à Grécia apostaram apenas no equilíbrio financeiro do país e não no crescimento, e isso foi uma falha, e esta estratégia explica em parte que o país esteja há cinco anos consecutivos em recessão na qual a economia decresceu 15% (nessa altura) e acrescenta, não houve abertura suficiente para procurar soluções alternativas.
Jean Claude Junker podia ter acrescentado nessa altura, o ajustamento de 3 anos imposto a Portugal à Irlanda e por maioria de razão à Grécia, foi também uma monstruosidade intelectual, técnica, política, ética e humana.
Jean Claude Junker, político de longo curso, nunca disse como presidente do Eurogrupo o mesmo que disse a um jornal de Atenas. Se o dissesse possivelmente nunca teria sido eleito presidente da Comissão Europeia. Apesar disso, temos que reconhecer, que ultimamente tem procurado pôr outra vez a verdade em cima da mesa. Não sei com que força, não sei com que sustentabilidade isso será possível.
Mas há uma coisa que me impressiona a mim particularmente na postura desta Europa empobrecida de valores que fizeram a sua grandeza, particularmente visível na Grécia de hoje, e que se pode resumir pela seguinte sentença:
É expressamente proibido experimentar outros caminhos que não aqueles que constam dos velhos mapas adoptados por poderes instituídos em estado de decrepitude democrática!
É expressamente proibido guiarmos-nos por GPS's cuja venda não esteja autorizada pelos Mercados Financeiros!
É expressamente proibido sulcar mares nunca dantes navegados!
Mas aqui estamos nós esta noite, Sr. General, verdadeiramente gratos, porque, apesar de todas as proibições os Capitães de Abril ousaram devolver-nos a liberdade!
Ousemos pois nós também experimentar outros caminhos!
25 de Abril Sempre!
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