O chamado regresso aos mercados para financiamento do Estado, agora anunciado, ocorre num contexto em que a espiral recessiva da economia portuguesa se acentuou e são profundamente negativas as expectativas sobre a evolução do desemprego, as desigualdades, a colocação de muitas famílias abaixo do limiar de pobreza, a degradação salarial e a possibilidade de qualquer forma de recuperação económica.
Não se vislumbra nenhuma relação entre tal regresso e a construção de qualquer via de resposta positiva aos problemas dramáticos que afligem Portugal. Ele não resulta, muito pelo contrário, de um qualquer sucesso da política de austeridade.
Este ‘regresso aos mercados’ também não põe fim à recessão e à destruição de emprego, não assegura a sustentabilidade da dívida externa portuguesa, não reduz a chantagem sobre o Estado social, não resolve os problemas estruturais que conduziram à atual crise e não torna a economia portuguesa menos vulnerável a choques futuros que voltem a colocar-nos na dependência da intervenção externa.
Não é causa nem será consequência de um início do fim da espiral recessiva em que vivemos.
O regresso aos mercados faz parte da nova estratégia de ajustamento adoptada pelo BCE desde o Verão (compra de dívida nos mercados secundários para quem se submete aos programas de ajustamento). O governo não teve qualquer papel nesta estratégia nem alguma vez a exigiu. Esta alteração da política do BCE apenas demonstra que era possível ter evitado a crise e os seus custos económicos e sociais no quadro das regras europeias, caso o BCE tivesse assumido desde o início as suas responsabilidades de instância responsável pela estabilidade financeira da zona euro; e que a estratégia até aqui prosseguida, assente na austeridade generalizada, se revelou incapaz cumprir os objectivos a que se propôs. Ela demonstra um falhanço das instituições europeias e do governo português.
A nova política do BCE, porém, não resolve os problemas fundamentais da zona euro: os Estados continuam dependentes dos mercados para se financiarem, estando permanente sujeitos aos movimentos especulativos e a taxas de juro injustificadamente elevadas. Os bancos continuam a financiar-se a baixo custo junto do BCE para emprestar aos Estados a juros muito mais altos. Os juros pagos nas economias periféricas da UE continuarão a ser muito mais elevados do que os juros pagos pelas economias do centro, acentuando os desequilíbrios macroeconómicos na zona euro. Para tentar compensar os custos de financiamento mais elevados, os países periféricos continuarão a reduzir salários, a destruir os direitos sociais e a reduzir os níveis de investimento público e privado. O prosseguimento da austeridade não permitirá reduzir o problema do endividamento externo, mantendo as economias periféricas num estado de dependência permanente, sujeitas à ingerência externa por entidades sem legitimidade democrática.
Com esta nova estratégia, o BCE continua a fugir às suas responsabilidades e a deixar as economias periféricas sujeitas à pressão dos especuladores. O eventual alargamento das maturidades dos empréstimos europeus concedidos a Portugal no quadro do programa de ajustamento em curso, igualmente anunciado, também não representa uma alteração fundamental. Como sempre dissemos, num contexto de austeridade permanente e sem instrumentos de política que permitam compensar as fragilidades estruturais da nossa economia, Portugal não está em condições de pagar a dívida externa. O alargamento dos prazos, sendo parte integrante da reestruturação da dívida que defendemos, é insuficiente. Sem transformações profundas do quadro europeu e sem uma reestruturação profunda da dívida, Portugal continuará sujeito à instabilidade dos mercados financeiros e à imposição ilegítima de soluções que põe em causa a coesão social e o desenvolvimento do país.
As propostas resultantes do Congresso Democrático das Alternativas realizado a 5 de Outubro de 2012 continuam, assim, a representar o caminho necessário para uma saída sustentada da crise. Continua a ser fundamental denunciar o Memorando e negociar com a CE, o BCE e o FMI. Nessa negociação, a questão da reestruturação da dívida assume prioridade absoluta. Continua a ser fundamental uma reconfiguração dos tratados europeus, do estatuto do BCE, assim como a anulação do chamado Pacto Orçamental. E continua a ser fundamental uma alternativa política substitua o atual poder, assumindo resolutamente os desafios da denúncia do Memorando, da afirmação da democracia, do desenvolvimento e da justiça social.