por Pedro Hespanha
O universalismo é uma das marcas mais expressivas do modelo de proteção na saúde que Portugal adoptou depois da restauração da democracia em 1974. A opção por um sistema nacional de saúde de cobertura universal acolheu decerto a excelente experiência do SNS inglês mas constituiu a solução mais óbvia para um regime político que queria eliminar os factores que fomentam ou reproduzem as desigualdades no acesso aos cuidados de saúde e, em geral, ao bem-estar. E na verdade, um balanço sumário de três décadas de vigência do SNS mostram que ele conseguiu efetivamente elevar os padrões de Saúde dos Portugueses ao nível dos mais avançados.
Mas não se pense que o universalismo está apenas associado aos sistemas beveridgianos de proteção social financiados pelos impostos. Uma análise comparativa dos principais sistemas de saúde europeus e norte-americano mostra que, independentemente do modelo em que se estruturam (conservador ou liberal), eles têm vindo a fazer esforços para garantir a toda a população um conjunto mínimo de serviços.
O universalismo tem boas razões a justificá-lo e, por isso, se tornou tão popular: Primeiro, porque todos estão incluídos no sistema de proteção e todos contribuem para ele; segundo, porque não deixando ninguém de fora, os sistemas universalistas não são geradores de estigma, diferentemente dos sistemas orientados para quem precisa e não pode pagar, que penalizam quem "precisa de ajuda", "é pobre" ou "subsiste à custa dos outros". Terceiro, porque sendo um sistema muito simples e fácil de administrar, não é necessário inquirir de uma forma intrusiva e reiterada a condição económica - os rendimentos - de cada utente para saber quem tem direito à proteção. E quarto, porque não lança sobre os utentes a desconfiança de fraude ou de "armadilha da pobreza" (poverty trap) como se estivessem a usufruir de um direito que lhes não pertence.
Contudo o universalismo defronta dois problemas principais: 1º a ideia de senso comum de que quem tem menos deve ser mais ajudado ou de que cada um deve pagar segundo as suas necessidades; e 2º a ideia muito espalhada de que ele constitui, por si só, um obstáculo àsustentabilidade dos sistemas de saúde.
É verdade que os sistemas universalistas permitem, a quem tem rendimentos elevados, recorrer a serviços públicos quase gratuitos que poderia facilmente pagar e, por isso, o universalismo é acusado de não se preocupar com o desperdício dos recursos escassos, uma consideração particularmente presente em períodos de crise e de austeridade. Porém, num sistema de impostos progressivo essas pessoas é suposto pagarem mais e, por outro lado, a proteção social universalista tem uma importante dimensão de inclusão que, sendo difícil de contabilizar, tem um valor inestimável para a coesão social: é pelo facto de pagarem para a proteção social e também de beneficiarem dela, que todos se sentem socialmente incluídos.
O argumento da insustentabilidade anda, frequentemente, associado à exigência de uma mudança radical no financiamento do sistema de saúde, em face das pressões de custos crescentes com o envelhecimento da população, com as novas tecnologias e com as expectativas dos consumidores sobre cuidados de saúde de qualidade.
Porém, o desafio que estas pressões colocam é eminentemente político e não técnico: o que importa saber é qual a capacidade ou a vontade que os governos têm de gerar os recursos que permitam assegurar o cumprimento das obrigações com os respetivos sistemas de saúde.