A dívida pública é, simultaneamente, causa e consequência da proposta de Orçamento de Estado para 2014 (OE14). É em nome da dívida que se justificam as opções políticas de um governo que privilegia o cumprimento cego dos compromissos e exigências dos credores financeiros, em detrimento das responsabilidades para com os cidadãos.
Infelizmente, em vez de contribuir para a solução, o OE14 será, em si próprio, um novo fator gerador de dívida pública, alimentando o ciclo vicioso de dívida – austeridade – dívida, que tão bem conhecemos.
O problema deste orçamento não é o défice de 4% previsto para 2014 que irá, naturalmente, somar-se à dívida pública. O problema não é também apenas o facto de o valor previsto para esse défice não ser credível. O problema é a forma como o ajustamento escolhido mantém um caráter fortemente recessivo, desferindo uma nova machadada na procura interna e, consequentemente, nas expetativas dos investidores, sejam eles internos ou externos. O problema é ainda que esse falhanço esperado na estimativa do défice é quase irrelevante quando comparado com uma previsão de crescimento económico em que também ninguém acredita.
Na perspetiva da gestão da sustentabilidade da dívida, este problema é determinante. Sem crescimento, qualquer estratégia de redução de dívida pública é minada pela própria economia. Por um lado, uma contração da economia aumenta automaticamente o valor da dívida, já que esta é medida em percentagem do produto (tal como acontece com o défice, que corre também o risco de subir automaticamente, caso as previsões de crescimento não se verifiquem). Por outro lado, piores condições na economia tendem a aumentar o défice por via dos estabilizadores automáticos: uma economia em recessão tem maiores custos de apoios sociais e menores recceitas de impostos, agravando o efeito de ciclo vicioso.
O ministério das finanças prevê agora que a dívida pública atinja o seu pico em 2013 (em 127,8% do PIB) e comece a descer já no próximo ano, fixando-se nos 126,6%. Desde o início do programa da Troika, este “pico” tem vindo a avançar no tempo, e a subir nos valores, de ano para ano. A descida da dívida no próximo ano está dependente de todas as previsões usadas para elaborar o OE14, nas quais não acreditamos. Por isso, o mais provável é que continuemos a correr atrás de uma inversão de tendência que nunca vai chegar, enquanto não houver uma inversão profunda na linha política.
Portugal vai assistir em 2014 a mais uma onda de cortes, com uma forte redução nos níveis de rendimento disponível das famílias. Enquanto isso, o OE2014 prevê mais de 7,2 mil milhões de euros para o pagamento de juros. Isto corresponde a 4,4% do PIB: um valor que é superior ao défice esperado e é praticamente igual ao orçamento total da saúde (7,2mm€) e pouco menor do que o orçamento total da educação (7,8mm€). Esta continua a ser a parcela da despesa mais protegida – aquela que é imune a quaisquer cortes. Uma reestruturação de dívida que permitisse cortar o valor dos juros em 50%, por exemplo, já permitiria abrandar os cortes nos serviços públicos e nos rendimentos e, aí sim, talvez houvesse esperança de se estimular algum crescimento.
Continuar a insistir numa austeridade recessiva, sem ousar reestruturar a dívida e limitar o peso dos juros, é contraproducente e destrói vidas. Uma reestruturação, acompanhada de uma travagem das medidas da austeridade é a única forma de dar alguma sustentabilidade à trajetória da dívida pública portuguesa, devolver expectativas positivas aos investidores e, não menos importante, devolver alguma esperança às pessoas.
Sara Rocha
Sara Rocha