O Orçamento da Educação:
ao serviço das desigualdades e do empobrecimento


Quando se escrever a história dos tempos de retrocesso que estamos a atravessar, o ministro Nuno Crato surgirá como um dos membros do actual governo – responsável pelas pastas da Educação, Ensino Superior e Ciência – que melhor conseguiu conciliar as duas dimensões essenciais do plano de transformação do país que se encontra em curso.

Por um lado, a estratégia de destruição metódica do Estado, através dos incessantes cortes nas suas funções sociais, em nome de uma dívida crescentemente insustentável. Por outro, o empenho determinado na implementação de um modelo económico medíocre e subdesenvolvido, assente nos baixos salários, na desqualificação dos recursos humanos, no empobrecimento generalizado e na mercadorização de todas as esferas da vida social.

À semelhança do sector da Saúde, a Educação enfrenta o quarto ano de cortes orçamentais consecutivos. Face a 2010, perde cerca de 1.700 milhões de euros, ou seja, menos 18% (que comparam com uma redução na Saúde na ordem dos 14%), situando-se em -2,6% a quebra verificada entre o OE de 2013 e o de 2014. Trata-se sobretudo, no caso da Educação, de reduções nas despesas com pessoal, que diminuem cerca de 25% entre 2010 e 2014 e aproximadamente 3,7% face ao Orçamento de Estado de 2013. Porém, nem tudo são cortes no universo da Educação: as transferências para as escolas do ensino particular e cooperativo aumentam de 239 para 240 milhões de euros entre 2013 e 2014.

A estratégia do ministro Nuno Crato torna-se pois bastante evidente. A coberto do Memorando da Troika e da sua lógica de imposição de cortes sucessivos nas áreas sociais do Estado, prossegue um processo de crescente contracção, degradação e dualização da escola pública, que permite deixar cada vez mais espaço para os interesses privados em Educação. A constituição de mega-agrupamentos escolares disfuncionais; a redução do pessoal docente e do número de auxiliares de educação; o aumento do número de alunos por turma e a redução do número de turmas; a dualização socialmente perversa entre ensino geral e profissional (para onde se empurram os alunos com maiores dificuldades de aprendizagem, em regra resultantes do seu background familiar e social); o desinvestimento nas actividades extra-curriculares e o aprofundar das lógicas de concorrência e competição entre escolas, que contrariam os mais elementares princípios em que deve assentar um sistema público de educação, têm consequências claras. Por um lado, e reflectindo os diferentes contextos socio-económicos em que se inserem, as escolas com melhores resultados serão cada vez melhores e as escolas com piores resultados serão cada piores. E o ensino deixa assim de ser, por outro lado, o principal instrumento de combate das desigualdades e de criação de oportunidades de ascenção social para jovens e crianças oriundas de classes mais desfavorecidas.

Mas o que está em jogo não é apenas a deterioração do sistema público de Educação. A sua deliberada transformação é parte fundamental do projecto de subdesenvolvimento do país, que se afasta assim cada vez mais do modelo de uma economia assente no conhecimento e nos ganhos de competitividade através da inovação e da qualificação dos recursos humanos, a única trajectória viável para pensar Portugal como país com um futuro decente à sua frente. É nesta linha, aliás, que deve também ser entendidos os cortes e o desinvestimento na Ciência e no Ensino Superior: como se estes estivessem sobredimensionados face às necessidades de uma economia que se quer retrógrada e medíocre. Com mais este Orçamento de Estado, não é de facto apenas uma (a que se encontra actualmente a frequentar o sistema de ensino), mas sim duas as gerações que estão a ser irreversivelmente sacrificadas, como atestam os números da emigração compulsiva de licenciados e investigadores, em que o país investiu, e bem, nas últimas décadas.

Nuno Serra